O escritor Máximo Gorki escreveu que três perguntas acompanharam sua vida. As perguntas foram um firme apoio no seu caminho, que não foi fácil nem suave. Salientou que um poderoso humanismo aprendeu nessas perguntas da sabedoria judaica. Aliás, boa parte dessa sabedoria se origina na capacidade de perguntar. As perguntas essenciais a Gorki foram feitas por Hilel, o sábio dos sábios, há uns dois mil anos. Cada um, em seu tempo e espaço, como fez Gorki, pode pensar e responder às três perguntas. Convivo com essas perguntas e mudei, com o tempo, a forma de respondê-las.
A primeira pergunta de Hilel é: “Se eu não for por mim, quem será por mim?”. Tem a ver com o desafio que é, para todo ser humano, cuidar de si mesmo. Uma criança é cuidada, educada, mas, ao crescer, ela vai ter que se separar de sua família de origem e se amar o suficiente para cuidar de si mesmo. Nada fácil enfrentar o desafio diante do desamparo constitutivo do ser humano. Cada um desenvolve certa capacidade de ser seu próprio pai e sua própria mãe. São os que aprendem a cuidar bem de si, isto é, aprendem o amor à liberdade e constroem vidas criativas. Por outro lado, há destinos destrutivos do desamparo que levam as pessoas a mortificações – devido a uma baixa autoestima, sendo assim, mais vulneráveis aos avatares da existência. Se alguém não aprende a potência da experiência, não desenvolve a capacidade de ser por si, gerando infelicidade a si e aos demais. Portanto, aprender a cuidar de si é o desafio para toda uma vida, e o aprendizado deve ser constante. E quem não consegue aprender terá uma vida mais pesada, mais queixosa. Os destinos criativos desenvolvem a arte de viver, são os que renovam as energias com boas parcerias.
A segunda pergunta é essencial em tempos de uma cultura narcisista: “Se eu for apenas por mim, o que será de mim?”. Outras culturas também lembram essa pergunta, como o provérbio zulu: “Uma pessoa é uma pessoa por meio de outras pessoas”. Portanto, tristes os que tendem a se isolar socialmente, ou a ser indiferentes à sorte dos demais. Cuidar de si e cuidar dos demais expressam o quanto a condição humana é social. As relações familiares, as amizades e a interação com a comunidade mais ampla podem brindar o entusiasmo de viver. Pensar além de si mesmo é pensar, por exemplo, que vivemos num país marcado pela desigualdade. Aqui, ser negro, ser índio, ser pobre é estar ameaçado de violências, como a que matou a menina Ágatha no Rio de Janeiro. Ela sonhava em ser bailarina, e quantos sonhos estão sendo mortos? Aliás, estudiosos bíblicos asseguram que Hilel esteve na origem do pensamento de Jesus Cristo na sua pregação do amor. E eles aprenderam com os profetas, como Amós e Isaías, a se preocuparem com os mais necessitados. Na verdade, sempre convém perguntar como anda o amor a si próprio e o amor aos demais. A segunda pergunta de Hilel envolve os outros, logo, também, a injustiça social.
Finalmente, a terceira pergunta é sobre o tempo. Quando passar à prática uma ideia, um desejo, um sonho: “E se não agora, quando?”. Eis a pergunta que deve ser feita, pois envolve pensar o futuro. Quando a humanidade vai se unir para defender a mãe Terra? No meio de tantas dificuldades e desânimos, convém lembrar a voz dos poetas. Um exemplo é o poema “Mãos Dadas”, de Carlos Drummond de Andrade: “O presente é tão grande, não nos afastemos/ Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”. Pergunto, então, para cada um de nós: Se não for agora que dizemos NÃO aqui e nas ruas aos ataques às pessoas, à natureza e à educação, quando será? Alguns dizem que o melhor é não se meter em política, ainda mais sendo um psicanalista! “Se as palavras são prata, o silêncio é ouro” é uma frase da sabedoria popular. Entretanto, não creio ser conveniente o silêncio diante da crueldade.
Imagem: William Mophos