Um dia a lágrima disse ao sorriso: “Eu te invejo porque vives sempre feliz”. O sorriso respondeu: “Engana-te, pois muitas vezes sou apenas o disfarce da tua dor”. Pode parecer um paradoxo a convivência do sorriso e da lágrima, mas uma das definições do humor é um sorriso entre lágrimas. E há até uma lenda sobre o palhaço usar uma máscara, e por trás dela há um homem triste. Tanto o humor como as depressões estão próximos da sofrida realidade. O sentido do humor tem em comum com as depressões, um conhecimento maior das dores da condição humana. O sentido de humor é a capacidade de brincar diante os absurdos da vida. Já os deprimidos, às vezes, sofrem tanto que não conseguem achar graça em viver.
A escritora Fernanda Young, recém-falecida, disse em entrevistas que aprendeu a lidar com a depressão porque teve amor e humor perto dela. Aliás, uma vez Fernanda comentou: “Viver é desagradável. Qualquer pessoa minimamente sensata percebe isso”. A frase viver é desagradável é chocante, verdadeira, tanto quanto viver é agradável nos momentos alegres que Fernanda também viveu. A sinceridade chocante foi uma de suas marcas e em certos momentos sofreu bullying nas redes sociais. Foi definida como uma “Barbie que Fala Merda”, culminando em um grave episódio de depressão.
Conheci Fernanda na TV impressionado pela transparência, inteligência, certa agressividade engraçada. Ela se integrava bem com Rita Lee, ambas sagazes do programa “Saia Justa”. Muito antes tinha sido diagnosticada com dislexia e disritmia cerebral. Fernanda tentou cortar os pulsos aos 10 anos. “Aprendi a lidar com a depressão porque sempre tive amor e humor perto de mim. Por causa da depressão também conquistei muitas coisas”. Ela se refere, além de seus 13 livros publicados, à sua família. Casada com o roteirista Alexandre Machado desde os 23 anos, teve quatro filhos. Contou em entrevistas que sempre adorou ser mãe e se divertia com as crianças.
Foi redatora com o esposo da série “Os Normais” com os atores Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães. Fizeram o Brasil rir durante três anos seguidos na TV e depois no cinema. Fernanda Torres escreveu sobre sua xará agora: “Devo muito a ela, à inteligência, ao humor, à originalidade, à coragem dela. Ainda bem que escrevi para a Fernanda para dizer do quanto havia gostado de Shippados. Foi a última vez que nos falamos, e foi bom, bonito, carinhoso. O Brasil perde muito, sem a anarquia e a clareza dela”.
Fernanda Young, perguntada sobre a infância, respondeu: “Ah, eu era uma criança muito triste. Não gostaria que parecesse culpa da minha família. Simplesmente era uma criança depressiva, que poderia se machucar e que pensava em morrer. É uma doença química. Ninguém me machucou. Pedia muito para Deus me matar. Também tive muitas doenças – alergias, pneumonias – que vinham do emocional”. Menina sofrida, mulher guerreira do bem, conseguiu ser escritora, atriz, de raro talento. Um exemplo é sua última crônica:
“Bando de cafonas” da qual selecionei umas frases.
“A Amazônia em chamas, a censura voltando, a economia estagnada, e a pessoa quer falar de quê? Dos cafonas. Do império da cafonice que nos domina. A pessoa quer falar do mau gosto existencial. Enganar é ok. Agredir é ok. Gentileza, educação, delicadeza, para um convicto e ruidoso cafona, é tudo coisa de maricas. Existe algo mais brega do que um rico roubando? Algo mais chique do que um pobre honesto? Porque só o bom gosto pode salvar este país.”
A vida sem arte não teria sentido, e sem humor teria muito sentido. Com arte e humor a vida é excitante.
P.S. Um juiz do TJ(RS) decidiu liminarmente autorizar a abertura da exposição na Câmera dos Vereadores de Porto Alegre “O Riso é Risco: Independência em Risco – Desenhos de Humor”. Palmas aos humoristas e ao Juiz. Vale muito a pena ir à exposição. Em tempos de desgraças, a graça está no humor.