Fim do ciclo Bolsonaro. Início do ciclo da violência ? Ou Bate-se em um país – Por Paulo Endo

 

O governo de Bolsonaro fracassou, era de se esperar mas ocorreu antes do esperado.  Prosseguindo a partir desse ponto não será apenas fracasso, mas atrocidades,  tentativa de extermínio de populações, violência contra opositores e manifestantes, extinção da cultura, do pensamento e dos saberes acadêmicos e populares e de direitos conquistados.

Sua maior conquista, considerando o que fez até agora, poderá ser ter acabado com o horário de verão. “Acabar com isso daí” era, hoje sabemos, o horário de verão.

Porém, como também era de se esperar é que esse governo e seus membros não abdicarão do poder a menos que sejam forçados a fazê-lo.  Tiveram e seguirão o exemplo de seu antecessor Michel Temer que se agarrou ao poder de todas as maneiras com sucesso. Usufruiu dele e só agora, após terminado seu mandato é investigado acusado de diversas ilegalidades, mas ainda goza de sua liberdade e do conforto do lar. Assim pretendem atravessar seu ciclo nefasto, os Bolsonaro. Usufruir e extirpar a nação de todas as maneiras e, depois, quem sabe pegarem um prisão domiciliar. Por aí pensaram também os mandantes do crime da Marielle, até hoje impune.

Sem relação mínima com o congresso, mesmo com as alas mais conservadoras e, a princípio, dispostas a apoiá-lo; com seus mais ferrenhos adeptos pulando do barco quando não o estão atacando abertamente; com apoio popular em queda livre, com a resistência e a oposição nas ruas e com a humilhação e o escárnio internacional que se somam a cada dia, o governo tem pouquíssimas chances de progredir em qualquer direção.

Quando sua popularidade ainda era alta, Bolsonaro dizia o que queria e as poucas e parcas coisas que lhe davam na veneta. Agiu até agora sempre com truculência, grosseria e mau gosto; incitou o crime, o ódio e a matança; ironizou a dor alheia e zombou de povos escravizados assassinados e perseguidos. E agora agarra-se à mais uma reforma contra os pobres- a da previdência- alardeando-a como a salvação do país e sua bala de prata.

Com seu único e torpe mote explícito de acabar com os comunistas Bolsonaro e seus ministros, instruídos por seu guru -que acaba de também pular do barco-transformou estudantes, professores, ministros do supremo, jornalistas e- pasmem -militares- em comunistas. Ninguém mais acredita na sua luta contra fantasmas que não existem. Mas sempre há os que gritam mito, mito!

A ecolalia indigente se tornou a vareta envergada e patética prestes a se romper e uma parte da direita já se afasta do mito cujos pés são de barro. E como uma barragem de uma mineradora brasileira, se rompida, pode soterrar de barro todos ao seu redor.

Na visão do mito o Brasil é o maior país comunista do mundo. Basta discordar dele para se converter, imediatamente, em comunista. Mas esse jogo é cada vez mais evidente como uma paranoia que não convence mais ninguém, advindo de uma psiquismo aturdido que ao invés de estar em tratamento intensivo, está presidindo o Brasil. O caos acima de tudo e os Bolsonaro acima de todos é o seu lema. Mas com os Bolsonaro há mais gente: os milicianos com ligações intestinas com essa família, dispostos a tudo para preservarem o mito no poder, o que significa manter o modus operandi das milícias governando o país e permitir seu enraizamento e alastramento em outras cidades e estados.

Nos cinco primeiros meses de governo Bolsonaro alardeia um Brasil ingovernável. Ele está desesperado ao constatar sua incompetência brutal diante de problemas de altíssima complexidade. Hoje ele se dá conta de que um país não se governa com frases adolescentes e a invenção cotidiana de inimigos que não existem. Tarefa árdua seria convencer os babadores de mito que Janaina Pascoal, Kim Kataguiri, Alexandre Frota e os generais que hoje ocupam cargos no primeiro escalão são comunistas. Porém, o que indica a adesão torpe e cega é que eles estão sendo convencidos e começam a atacar antigos aliados.

Essa palavra de ordem que ainda alimenta e turva o pensamento de Bolsonaro só atesta, comprova e evidencia a sua total ignorância em assuntos corriqueiros. Hitler de esquerda era a última coisa que qualquer pessoa, minimamente informada e sã, afirmaria. Mas o presidente do Brasil pensa e afirmou isso. E em seguida veio, mais uma vez, o escárnio mundial.

Seu adeptos fanáticos acreditam no que ele diz. Afinal é o mito, mito. Constituem uma seita perigosa que aposta na violência, no descalabro, no ataque aos direitos e na discriminação e segregação da maioria da população brasileira para manterem-se como privilegiados ou, ao menos, comandados e subservientes, que pretendem exercer seu mando em sua casa, em seu bairro, em sua cidade e no país à bala. Assim agem os milicianos em todo o canto.

São esses que pretendem ocupar as ruas no dia 26. Se a manifestação ocorrer e for bem sucedida, as ruas serão o retrato da decadência a que pode chegar parte da sociedade brasileira com gritos como: abaixo o STF! Fechem o congresso! Destruam as universidades! Atirem nos pobres para matar! Fuzis para todos! etc.

Tamanha decadência que antes das eleições não acreditávamos ser possível é, hoje, uma evidência incontestável. De qualquer maneira ela existe e o desafio inexorável é que ela precisa ser neutralizada.

Os que amam as frases soltas e irresponsáveis de seu representante, torcem para que Jair saia das cordas em que ele próprio se colocou e ressurja como mito, hoje depauperado, alquebrado, degenerado e repleto de mentiras que ele só faz proliferar em seu entorno.

O tempo do mito terminou. Sua aura salvadora se espatifou no primeiro poste e, agora, ele tenta arrastar seus fiéis para uma guerra santa. Não para salvar o Brasil ou os brasileiros, mas para convencê-los a ajudá-lo a se manter no poder custe o que custar. Proclama uma guerra de fanáticos na qual ele estará ausente. Já avisou que nem ele, nem seus ministros estarão nas manifestações, mas é indigno e incapaz de se posicionar para que elas não aconteçam. Acredita que a magia que o conduziu ao governo continuará se repetindo. Ausência em debates, ausência nas manifestações a seu favor, ausência de ideias, ausência de políticas claras para o país. O candidato da ausência, o candidato fantasma que combate sem tréguas o fantasma dos comunistas que ele vê em toda parte.

Ninguém no mundo se convence, acredita ou se fia numa palavra proferida pelo atual presidente e isso o apavora. Só lhe resta as hordas de malucos, assassinos e facínoras que querem tomar as ruas e o país a golpes de martelo.

As organizações internacionais temem pelo país e já se manifestaram inúmeras vezes revelando suas preocupações contra medidas, atitudes e palavras do atual presidente que afrontam os direitos mais fundamentais consagrados entre nações às custas de sangue, lágrimas e ignorância.

As investigações sobre Flávio Bolsonaro apontam para todo o clã e se não forem obstruídas poderão revelar abertamente que cada um dos familiares são indignos como ocupantes dos cargos de presidente, senador e deputado e não passam de uma organização perigosa que tomou o poder no Brasil e está pronta a desafiar a pouca institucionalidade democrática que resta no país. O mote é “ninguém nos tira daqui”, “não vão me derrubar”, “não me deixam governar”.

Eles precisam ser detidos custe o que custar.

Nunca foi tão urgente a unificação de tudo e todas pela democracia brasileira e pelas chances de soerguê-la . Bolsonaro fará seu teste popular no domingo 26. As manifestações do último dia 15 voltaram a banhar as ruas ressecadas, com a esperança da democracia. Se as manifestações a seu favor forem pouco numerosas, ele mentirá, editará imagens, fará trucagens, tuitará sem parar e seu séquito de fanáticos acreditará que uma massa gigantesca de brasileiros ainda o apoia e quer mantê-lo no poder. Os adoradores do mito sempre acreditarão no que querem acreditar.

Eles gritarão: mito, mito enquanto torcem e ajudam o país a ir por água abaixo.

Bolsonaristas estão aí. Sempre existiram e sempre existirão, mas o que ainda pulsa como esperança é a união e reação de todos os que sofrerão se, pela violência, esse governo insistir em se manter no poder.

É de Freud que lembramos em seu texto Bate-se em uma criança quando vemos os ataques do governo à nação, à populações e setores inteiros do país sendo celebrados por apoiadores do mito. Bate-se num país e alguns fantasiam: ‘se estão batendo nos outros, então é porque gostam mais de mim’. O próximo passo, como apontou Freud, é um masoquismo profundo que estaria ao lado da servidão mais inexorável. Apanhando, sendo privados de direitos, seu futuro sendo ameaçado  e ainda gritando esganiçadamente: mito, mito. O gozo masoquista quando toma as massas reivindica a violência como bálsamo.

Para os que nunca acreditaram em mito algum e para os que não acreditam mais, não se trata de defesa retórica e por princípios, hoje sabemos, mas de garantir a preservação de sonhos, esperanças e futuro para milhões.

Desde o início do atual governo a lista de alvos preferenciais só fez ampliar em milhões. Ela é imensa e, em seu conjunto, compõe absurdamente a maioria da população brasileira. Seus ataques sob forma de decretos, manifestações virtuais e discursos incluíam mulheres, negros, índios, LGBTs, petistas e a esquerda de forma geral. Hoje inclui estudantes secundaristas, universitários, professores, deputados, senadores, padres, reitores, militares e todos que dele discordam. Todos comunistas, socialistas, vermelhos, marxistas que deveriam ser eliminados.

 O atual presidente já não sabe a diferença entre os inimigos que elegeu para combater. É tão incauto que não tem ideia de quantos milhões somam.  Não seria de se estranhar que, aficionado em sua luta contra o comunismo, incluísse a China, a Rússia ou a Coréia do Norte talvez, em sua lista de países a serem invadidos pelas tropas brasileiras.

Porque para o presidente e sua turma só a Venezuela é comunista? A resposta está provavelmente na declaração do prefeito de Nova Iorque Bill de Blasio: “Jair Bolsonaro aprendeu do jeito difícil que nova-iorquinos não fecham os olhos para a opressão. Nós expusemos sua intolerância. Ele correu. Não fiquei surpreso – valentões geralmente não aguentam um soco.”

Valentões mobilizam exércitos para escaparem de um tapinha. Mas apoiado na indiscriminação que a ignorância permite, atiça o exército contra fracos e vulneráveis. Execra a Venezuela e adula a China.

Por isso o valentão Jair agora quer mobilizar sua tropa de outros valentões que adoram ameaçar, praticar violências e propagar o medo. Seu primeiro teste será no dia 26, mas como valentão que é não estará lá para testemunhar o caos que pode gerar.

Apesar do tudo o que ocorreu com o Brasil esse ano ainda estamos todos aqui trabalhando diariamente para reverter o ocaso. E a cada dia ressurgem ideias, iniciativas, pessoas e sonhos se levantam após uma temporada de luto e dor pelo que findou. É unânime fora do país os riscos que o Brasil corre nas organizações internacionais. E não há qualquer sombra de dúvida que o atual governo não sairá do chão e não reune condições mínimas para decolar. Mas ficará ocupando a pista impedindo outros vôos.

Do outro lado estão postados os, cada vez menos numerosos, incensadores do mito.  Mas é possível que seus gritos aconteçam, num futuro não muito distante, em frente à alguma penitenciária ou à uma das sedes da polícia federal. Uma dessas que hoje aprisiona a figura que o apavora.

Hannah Arendt chamou a atenção para o equívoco na associação prática e teórica entre poder e violência, foi ela que infletiu e denunciou a afirmação inscrita na teoria política moderna: ‘Para todo poder alguma dose de violência é necessária’. Ao contrário, ela disse: Onde há violência não há poder. Quando a violência aparece é um sinal de que o poder soçobrou. O poder depende da legitimação de muitos. Ele se manifesta no todos contra Um e a violência no Um contra todos. Esse momento se anuncia. Não acontecerá docilmente, será efeito de uma quebra, sempre com muitos efeitos que não sabemos exatamente quais serão. A possibilidade de uma sucessão militar representará outro desafio para o qual não há suficiente clareza. As forças armadas optarão por limpar sua imagem manchada de sangue desde o golpe de 64 ou aprofundarão a crise da democracia que chega ao seu ponto mais baixo?

Hoje, contudo,  já é possível enxergar novamente um Brasil acima dos Bolsonaros e do todos acima do Um.

O processo de Kafta afinal não derrubou e nem derrubará nenhum tabule, mas nesse momento ainda insiste e promete acabar com as universidades.

Faltam 5 dias para o dia 30.

Imagem: Alessandro Dias, Flickr