Pequenas Agulhas – Por Edson Luiz André de Sousa

Pequenas Agulhas – Por Edson Luiz André de Sousa

Em 1989, esta imagem ganhou o mundo na praça Tiananmen em  Pequim,  a praça da paz celestial. A pequena agulha humana, anônima, conseguiu com seu gesto parar uma fileira de tanques, abrindo espaço para um pensamento para além do ruído ensurdecedor das máquinas de guerra. O fotógrafo Jeff Widener da Associated Press conseguiu captar este momento furando, portanto,  um bloqueio à imprensa  que o governo chinês impôs , como forma de controle da informação. A guerra , portanto, é também  da informação.  Este protesto foi liderado por estudantes chineses e consistiam em caminhadas pacíficas pela cidade criticando a  falta de liberdade imposta pelo regime chinês.

Toda propaganda é, por definição, um ensaio de dogmatismo. Esta operação, evidentemente, não é feita de forma ingênua. Em seu livro“História da Propaganda” Jacques Ellul mostra bem esta perspectiva. Percorrendo a história da propaganda, Ellul sugere que Maquiavel foi o primeiro teórico da propaganda. Este mostra, de forma clara, que sua função é fazer parecer ao outro algo que não é, na medida em que recorta da realidade apenas o que  interessa ser revelado . Neste sentido, a propaganda nada mais seria do que uma máquina de convencimento. Basta lembrar o seu famoso adágio de que “governar , é fazer acreditar”. Poderíamos concentrar grande parte do pensamento de Maquiavel na seguinte passagem de sua obra  O Príncipe:

            “O Príncipe pode ser infiel a seus compromissos, mas ele deve parecer fiel. Não é necessário que ele tenha todas as qualidades mas é indispensável que ele pareça  possuí-las … Isto porquê o povo se fixa sempre  nas aparências e só julga pelo acontecimento. Ora, o povo  é quase todo mundo, e a minoria só conta quando a multidão não sabe em quem se apoiar.”

De um lado vemos as estratégias de poder que se sustentam, em grande parte, na força da servidão voluntária  acionada pelas máquinas de propaganda. Impossível abordar o cenário político contemporâneo sem uma anatomia precisa dos circuitos de propaganda que tal poder coloca em cena. Neste ponto é fonte de inspiração neste debate a obra  crítica de Noam Chomsky que  dedicou alguns de seus livros especificamente a este tema. (Ver sobretudo “ Propaganda, Mídia e Democracia ).Chomsky percorre a história para mostrar em dezenas  de exemplos alguns labirintos obscuros do poder que nos fazem comer gato por lebre. Embora seus textos se refiram aparentemente a uma narrativa detalhada da história política recente com dados impressionantes do “dever parecer ” maquiavélico, não deixa de teorizar sobre este fenômeno de manipulação da informação,  buscando uma teoria que nos permita uma gramática de leitura de alguns cenários violentos e que buscam seus pontos de sustentação nas estratégias de propaganda. Tal reflexão seria, contudo, incompleta se não trouxesse junto, pelo menos em forma de esboço, uma análise  do fundo psíquico que opera nestes processos. Chomsky aponta, em muitos momentos, estas variáveis mas não se ocupa em entender a  metapsicologia da fabricação do consentimento. Aqui alguns aportes da psicanálise  podem nos ajudar para entender esta  álgebra mínima de uma “necessidade de acreditar” e que implica sempre  em negar parte da percepção que se escancara diante de seus olhos.

É hora de tentarmos nos conectar mais profundamente com nossas percepções e afetos. Talvez desligando algumas máquinas que nos impõem à força suas melodias de propaganda poderemos, quem sabe,  escutar um pouco mais as  inquietações que nos habitam e que ainda esperam seu tempo de formulação.

Praça Tiananmen em  Pequim,  a praça da paz celestial. Imagem: reprodução, internet.

 

Precisamos ainda acreditar na força construtiva de algumas imagens como esta do sujeito anônimo diante de uma fileira de tanques na praça Tiananmen.  Aqui a humanidade se salva um pouco mais ao vermos que um ser humano é capaz ainda de parar um fileira de tanques de guerra.  De alguma forma, este gesto também recuperou a humanidade  destes outros anônimos, que operavam dentro dos tanques e  que  souberam colocar o pé no freio, assustados ou comovidos, admirando secretamente talvez,   a coragem e a beleza do gesto do seu semelhante. Cabe a cada um neste momento, escolher em que lado desta imagem gostaria de estar e se , mesmo assim,  só restar um do lado da esperança e da paz , ainda assim teremos uma mínima chance.