O golpe não desrespeita a lei que o tornou possível. Ele é a realização em ato da lei incerta e negociada, que autoriza a corrupção dentro da lei e a constituição partida segundo a ocasião. O pior do golpe não é a violação das leis passadas, mas a demissão da lei futura. Ato de covardia contra nossa capacidade de criar e praticar novos acordos, regras e consensos. Golpe no exato momento em que mais precisávamos de um novo pacto social. Não é um golpe contra uma pessoa ou contra um partido, mas contra a palavra. Contra a palavra empenhada por livre associação na forma do voto. Mas afinal, por que a democracia seria um princípio incondicional para quem prescinde de princípios e detesta condições? Por que não viver apenas sob arranjos locais, segundo a conveniência do condomínio e seus síndicos? Sejam eles manipuladores de almas, de bois ou de armas. Não se trata mais de esquerda ou de direita, de homens ou de mulheres, de gregas ou troianas, mas de uma nova era na qual o mal foi purificado e a ordem voltou a reinar, e com ela o imperativo do bem estar bio-psico-social. A lei que está por vir é a da conveniência instrumentalizada, ainda que pelos melhores ou piores motivos, e pelas mais urgentes demandas. Ela rompe o reconhecimento de que quem quer os meios, quer também os fins e deles se faz consequente. Por isso é um golpe que finge dizer não, mas nos convida a uma “isenção fiscal” sobre quem pagará a conta desta fuga para a frente, movida a “pedaladas” econômicas, morais e jurídicas. O descontentamento, a insatisfação e o mal-estar não produzem, pela sua mera negação, nem verdade e nem justiça. Sabemos que agir com e contra “tudo menos isso”, nos leva de volta ao pior. Sabemos que é na hora da crise que o desejo é posto a prova, mas também que em nome da crise ele se degrada em mero exercício de poder e exploração do medo. Agora é o momento de fazer um esforço a mais, se queremos ser republicanos, e inverter o que é hoje um caso de exceção, tornando-o modelo para a regra geral de afastamento dos corruptos. Ou então terá sido, simplesmente, golpe.
São Paulo, 4 de Setembro de 2016
Christian Ingo Lenz Dunker