“O que pode querer significar apoio incondicional à democracia?” – Por Rinaldo Voltolini

O que pode querer significar apoio incondicional à democracia?

Autor: Rinaldo Voltolini

Se vivemos tempos sombrios que nos colocam frente a frente com um futuro de incertezas, pode-se pensar, por outro lado, que o presente também nos colocou diante de uma verdade escancarada: Nunca foi tão patente a velha máxima de que o Rei está nú… ou melhor de que todo o reino está nú!!!

A nudez do fisiologismo politico com seus interesses escancarados, e sua pouca ou nenhuma preocupação com as questões públicas; a nudez das próprias frágeis condições do debate político no país; a nudez das particularidades da nossa incipiente democracia…enfim… a nudez que é sempre escandalosa…

A nudez do reino, da qual sempre desconfiávamos, indignou-nos, convulsionou e dividiu o tecido social levando a um perigoso estado de entrincheiramento de posições, consubstanciado em palavras de ordem, pouco propício, portanto, ao pensar

Psicanaliticamente pensando a incerteza não é um mau lugar. Ela só é um mau lugar quando transformada em desamparo…. As certezas, ao contrário, podem ser um mau lugar enquanto funcionarem como obstáculos ao pensar….

Parece-me que apoiar incondicionalmente a democracia significa em primeiro plano manter aberto o espaço para pensar… conceder o benefício da dúvida… do contrário é nossa própria liberdade que se encontra ameaçada. Nas palavras de Hannah Arendt: “A incerteza quanto ao que seremos faz parte da liberdade que queremos”.

Essa liberdade que quisemos exige mais de nós do que indignação contra seu cerceamento, exige responsabilidade de pensar e a incerteza pode vir a ser um bom combustível para isso.

Não é a toa que o fio condutor da lista de pontos convocantes, levantados pela comissão organizadora deste ATO é um questionamento frontal e assertivo quanto a um valor fundamental para a democracia: o da legitimidade.

A condução ardilosa da crise política no país oscila ora judicializando questões políticas, ora politizando questões jurídicas, sempre, é claro, ao sabor da defesa de interesses próprios em completa desconexão com a vox Populi…

Pode uma classe política, majoritariamente sob as mesmas suspeitas dos que estão sendo acusados, estar em posição de julgar os suspeitos?!

Com todo o fisiologismo vergonhoso dessa classe política, que não cessou de exibir-se mesmo sob a cobertura, discutível ou não dos holofotes midiáticos, que transformaram em linguagem de fotonovela as discussões mais caras ao país, como poderia haver um julgamento nos devidos termos exigidos numa sociedade democrática?

Parece-me que ressaltar a questão da legitimidade é mais importante neste momento do que a da legalidade… Não porque a legalidade seja menos importante, é claro, …até se tornou um dos motes contra o impeachment… mas, porque sabemos que com bons ardis se é capaz de fazer passar o que quiser” dentro da lei”. (Lembremos o exemplo do impeachment de Collor que foi tempos depois absolvido pelo STF)

A legitimidade da classe política do país está em xeque e creio que isso pode se tornar uma brecha histórica interessante se servir para questionarmos todo um modo de fazer politica.

Sem entrar no mérito de suas pertinências ideológicas e mesmo de estratégia, como esquecer a importância da verdade que se deixou entrever em vários desses movimentos sociais que ganharam as ruas. Desde o “passe livre” em cuja reivindicação se podia ouvir: “não queremos TEUS centavos, queremos NOSSOS direitos… até a ocupação das escolas pelos jovens paulistas, dizendo: “Suas explicações burocráticas e seus interesses não nos interessam…queremos nossa escola!”

Manter o espaço aberto para que essas verdades falem também parece ser uma característica fundamental da democracia. A própria psicanálise que, como já se fez observar, só existe em sociedades em que a democracia é possível, sustenta a palavra como ligada a verdade e não a certeza.