“Sustentação incondicional à Democracia”- Por Heloisa Marcon

Caros colegas,

por considerar fundamental nos posicionarmos contra o ataque que está sofrendo a Democracia hoje no país sob diversas formas, venho manifestar minha posição de sustentação incondicional à Democracia.

A mais evidente prova de que se trata de um ataque direto à Democracia é o julgamento de um pedido de impedimento de uma Presidente da República contra a qual nenhuma investigação foi levada a termo. No documento do pedido constavam inúmeras alegações, tais como Petrobrás e BNDS, todas elas tendo sido indeferidas por não haverem provas, tendo restado na denúncia a edição dos decretos não numerados ou decretos orçamentários suplementares – previstos em lei – e a alegada pedalada fiscal, configurando, portanto, uma completa arbitrariedade. Situação semelhante à do personagem principal de “O estrangeiro” de Albert Camus em que, ele sim, tinha cometido um crime, e ao longo do processo judicial, acabou sendo condenado à morte não pelo crime que cometeu, mas por não ter chorado no enterro da mãe, de modo completamente arbitrário.

Além disso, inúmeros atos de exceção à lei e nessa medida, também excessivos, vem acontecendo por parte do Judiciário que não tem seguido os figurinos legais nas suas condutas – vide prisão coercitiva completamente descabida e vazamento seletivo de informações que deveriam ser confidenciais até o final do processo.

Fatos completados pela piada de péssimo gosto de termos um Presidente da Câmara sobre quem pesam gravíssimas acusações como o condutor de tal pedido de impedimento.

Este governo pode ser defendido sob alguns e importantes pontos de vista desde a ótica da Democracia e da construção de uma sociedade digna para todos, como, de acordo com documento do site do Banco Mundial: “Entre 2003 e 2013, o Brasil viveu uma década de progresso econômico e social em que mais de 26 milhões de pessoas saíram da pobreza”. Me parece que sair da pobreza e poder, por exemplo, comer com frequência é um índice de mínima dignidade. Ou não?

http://www.worldbank.org/pt/country/brazil

Permitiu também, a instauração de uma Comissão da Verdade, que, por mais críticas que possamos fazer à mesma por não ser uma comissão de verdade e justiça, por exemplo, permitiu que um pouco disso que ainda insistem em dizer que não aconteceu, recalcado, pudesse vir à tona.

http://www.cnv.gov.br/

Ao mesmo tempo, evidentemente que esse governo é indefensável sob um número quase ilimitado de coisas, dado que se elegeu com uma proposta e praticamente age na contramão dela: não delimitou terras indígenas, não sustentou o ECA ao deixar passar a redução da maioridade penal, não propôs modificações na Polícia que assassina todos os dias milhares de jovens negros nas periferias, não consegue frear a retrógrada bancada evangélica e financiada diretamente pelos ruralista e fabricantes de armas que pinta e borda aprovando, em Comissões em que eles são maioria, projetos que retiram ou flexibilizam direitos conseguidos sob muita luta, tais como direitos trabalhistas e civis, governo que acabou de aprovar uma lei anti-terror completamente vaga e indefinida e, pior de tudo, que não fez reforma política, fundamental para mudar a configuração e o modo de funcionamento do Congresso e do Senado.

Mas não se trata aqui de avaliarmos tal governo, se ele está mais pra direita, pra esquerda, pra centro, se fez boas coisas, se foram mais importantes que as ruins ou as não feitas.

Trata-se de nos posicionarmos quanto ao fato de que se não há crime de responsabilidade, não é possível haver impeachment do mais alto posto do Executivo. Porque se isso for feito, o que nos garante que outras coisas tão ilegítimas e ilegais quanto essa não o serão???? NADA!!!! Atos de exceção levam sempre, mais cedo ou mais tarde, à Estados de Exceção. Agambem nos lembra que O estado de exceção apresenta-se como um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo. E , ainda, que, nos anos que antecederam a tomada do poder por Hitler, os governantes social-democratas da República de Weimar tinham recorrido tantas vezes ao estado de exceção, que se pode dizer que esse país já tinha cessado, antes de 1933, de ser uma democracia parlamentar.

Assim, uma vez que a ética da psicanálise depende da livre circulação da palavra e de seu valor enquanto enunciação, é preciso lembrar que a psicanálise, com sua ética, não tem como existir em qualquer outro regime que não a democracia. Sabemos que ela é tornada impossível em qualquer regime totalitário em que tudo se cerceia, logo onde falar – que dirá falar livremente – é completamente impossível, pois pode levar esse que fala a dizer coisas que vão contra o regime e, como sabemos, nesses regimes, não há nenhum espaço para a alteridade, para a diferença. Assim como não há espaço para a Lei, mas para arbitrariedades.

O momento de nos posicionarmos é agora! Se a Democracia for condenada, mesmo que temporariamente, à morte, serão as nossas cabeças que, como repolhos, arbitrariamente, serão cortadas.

grande e fraterno abraço,

Heloisa Marcon

One Reply to ““Sustentação incondicional à Democracia”- Por Heloisa Marcon”

  1. Que carta emocionante Heloisa, fico contente de ler mesmo sabendo que ao final nós perdemos, a democracia perdeu, mas pior seria o silêncio medroso. Hoje são os estudantes adolescentes que nos representam. A luta segue.

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