Trabalhar pela irrelevância e a condenação penal e moral de uma horda de assassinos, milicianos e torturadores: por uma agenda “bozonadas NUNCA MAIS: FORA bozonadas!” – Por Paulo Endo

*Para aquelas/es que resistiram por 26 anos (1964-1985/1916-2022)

A complexidade dos efeitos das ações e discursos do atual governo que ora termina nos remetem à ações e meditações. Quais as consequências disso que vivemos, cada um no seu tempo e a seu modo, em nós? Que marcas, inscrições, mecanismos psíquicos foram ativados para suportar ameaças, ataques, desrespeito e escárnio cotidianos? Como conviveremos com as mortes, o sofrimento e  dor dos atingidos pela indiferença, pelo estímulo criminoso às armas e pelas insanidades, violências e agressões que se esparramam pelos que, por sua vez, utilizavam o candidato derrotado como pretexto e legitimação de suas próprias fantasias de poder e crueldade?

Hoje podemos dizer que o Brasil fez um feito extraordinário. Um imenso coletivo de democratas trabalhou para superar uma máquina estatal com uma receita de 3 trilhões e meio de reais e bilhões derramados na economia em curtíssimo espaço de tempo, com o único objetivo de manter uma família incitadora de crimes no poder. Essa família arrebanhou durante quase quatro anos milhões dispostas/os a segui-los e a mantê-los no poder por sabe-se lá quanto tempo mais.

Essas pessoas que hoje ocupam as ruas são mensageiros da insanidade e da devastação. São os executores do caos e capazes de tudo para realizar suas insanidades que beiram o delírio. Vemos com a máxima crueza e em tamanho menor em que o Brasil estava se transformando: numa ruidosa massa bestial disposta a tudo para salvaguardar suas insanidades. Essa massa acredita piamente que o candidato derrotado mimetizava seus desejos mais íntimos e se expunham passivamente à manipulação abdicando da capacidade de pensar. Abocanhavam e engolem, sem digerir, o que quer que se lhes enfie pela goela. São monstros devoradores de inverdades e delas se alimentam sem digerir e vomitam.

Se hoje o resultado fosse diferente do que foi, quem de nós suportaria mais 4, 8, 20 anos de resistência? E sobretudo quantos de nós suportaríamos resistir ativamente ao longo desse renovado tempo de sombras.

Revisito mulheres e homens brasileiras/os que resistiram 26 anos de ditaduras no Brasil (1964-1985 + 2016-2022). Incrédulo não decifro como se mantiveram em pé, altivas/os, resistentes e determinadas/os, mesmo aturdidas/os pelos ruídos do traumático.

Nelas/es as feridas foram profundas, estiveram e estarão abertas perenemente e a impunidade que seguiu hegemônica no país possibilitou que, antes que a democracia viesse plena, acompanhada da esterilização dos desejos e ações que nortearam as ditaduras passadas, um novo ditador chegasse ao poder e manejasse um estado inteiro para a destruição dos valores republicanos custosamente alcançados, 30 anos após a promulgação da constituição cidadã.

Quando pensava, angustiado, se poderia resistir a mais 4 ou 40 anos da lama que inundou o país caso perdêssemos, não tive e não tenho certeza alguma do que seria capaz, mas conheço muitas/os que resistiram e só agora tenho a exata dimensão do que representam. Só agora entendo que há bússolas que não se desorientam e nesse momento realizo que todo o trabalho, com e sobre a memória delas e deles que pesquiso há tanto tempo, sempre foi um reverência sem termo aos que não desistiram e não cederam ao terror, ao medo e a dor que assolava e assolou a todas/os, mas só encontrou algumas/ns valentes oponentes.

Essas bússolas quando veio a tirania não saíram do país, não se ocultaram e nem se emudeceram, e quando um princípio de democracia parecia alvorecer elas/es se adiantaram para trabalhar pela sua consolidação.

Dando prova de tudo isso algumas certezas podem ser afirmadas como aquilo que não poderemos ignorar jamais, correndo o risco de, se o fizermos, vermos desmoronar tudo, absolutamente tudo, que se erguia sólido, para após décadas, desmanchar no ar. Experiência terrível que acompanhamos lenta e custosamente desde 2016.

O que temos nas mãos hoje, claro como a luz do sol, é mais uma oportunidade de futuro; um lampejo- que a depender de nós pode ser duradouro ou muito breve-, para darmos passos rápidos para a saída da escuridão; além disso impõe-se o imperativo de trabalhar para que não tenhamos, em momento algum, de resistir por décadas ao que custa muitíssimo a suportar por um único dia.

Nesse caso as bússolas em nós, aquelas que melhor nos orientam são aquelas que nos permitem compreender que a repetição da experiência passada, advenha ela daqui a 4 anos ou 40 anos, pode não encontrar em muitas/os de nós, as condições duráveis da oposição em qualidade e volume que nos permitiu viver o último dia 30 de outubro de 2022 e vencer. Pode não encontrar mulheres e homens capazes de levantar diques contra os que hoje se organizam pateticamente nas estradas, mas já foram mais que o suficiente para ocupar as ruas por toda parte com o terror verde amarelo em 2018, definindo o destino do Brasil por 4 anos. Nossas deficiências e fragilidades são o que deve nos orientar para o nunca mais que deve sepultar o atual governo.

 Os próximos anos são a fenda que se abre para que candidaturas de Damares, Mourões, Moros, Eduardos, Flávios, Malafaias não decolem e se alcem à prefeituras, governos e, mais uma vez, à presidência da república, como muito recentemente aconteceu. Mourão já vaticinou: “ Voltaremos mais fortes em 2026.” O ovo da serpente estará sempre sendo chocado e cabe a nós descobrir onde e como produziu tantos filhotes que por muito pouco não venceram.

O efeito surpresa de 2018, após 30 anos do fim do estado de exceção, não pode se repetir após os 4 que se seguirão. São o tempo da renovação urgente para forçar uma mudança que milhões ainda não desejam e muitas/os dos que a desejam ignoram seu próprio protagonismo, num processo que é preciso fazer acontecer a partir de agora. É a hora dos figurantes se perguntarem sobre seu desejo de protagonizar a recente história da democracia que ora recomeça. Nela não haverá lugar para figurações.

O já ex-presidente, que encarnou a figura da besta enquanto estava no poder, traveste-se de bichano agora e se prepara para evitar que no dia 01 de janeiro caia nas mãos da justiça comum e da sociedade civil por ele aviltada, ferida, humilhada e golpeada de morte. Não conhece o que é não ter foro privilegiado em mais de 30 anos como político profissional em que desfilou incompetências.

A tarefa mais imediata e necessária é, sem dúvida, trabalhar pela condenação moral e penal de um assassino que ocupou a presidência da república, dando fim ao ciclo iniciado em 2016. Porém seus substitutos estarão em gênese nas incubadoras do parlamento e estão agora nas ruas. O pior dos empresários brasileiros já está em campanha. O alquebrado da havan.

Tudo dependerá de quantos de nós ocuparão seus lugares para por as mãos à obra. A mais importante obra a ser ainda construída num país que ainda  não conheceu inteiramente o sentido e a importância da experiência democrática.

Como alertamos em artigo anterior (https://psicanalisedemocracia.com.br/2022/10/lula-quase-com-a-mao-na-taca-e-bolsonaro-quase-com-a-mao-nas-armas-por-paulo-endo-especial-para-psicanalistas-pela-democracia/),  nesse momento a estratégia mais imediata, ante as manifestações de grupos de pequenos ditadores descontentes provocando caos, consiste numa agenda bozonadas nunca mais: FORA bozonadas! até a posse. As ruas tem de voltar imediatamente a ser o palco onde essa primeira vitória se consolidará e a primavera brasileira possa cumprir o seu ciclo. Enquanto a rua falar, cantar e dançar ela orientará e sustentará as ações decisivas e radicais que o governo recém eleito terá de tomar, para recolocar a democracia pensa, uma vez mais, nos céus e voando alto.