Solidariedade em Tempos de Contaminação – Por Edson Luiz André de Sousa

“A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana”

Franz Kafka

 

Em situações extremas de desamparo, a solidariedade nos devolve a humanidade, o valor da vida e a esperança. O humano sempre pode sobreviver porque o que o constitui é o laço afetivo com seu semelhante e uma linguagem comum que os une.

Esta pandemia tem nos mostrado o que o humano tem de melhor e de pior. Diante de tanto horror, dor e sofrimento gestos solidários que estamos testemunhando em tantas situações nos conectam com a força da vida. Mas infelizmente, esta mesma pandemia revela o vírus do mal quando até mesmo o sofrimento de outra pessoa pode ser motivo de gozo. Neste momento perdemos tudo. É absolutamente intolerável o que estamos vivendo. Milhares de mortes diárias e uma estatística que parece ainda será muito pior, infelizmente. O Covid-19 tem desafiado a cada um de nós a tomar posição e revelar seus princípios, valores, posições políticas, éticas.

No início de Março foi preso na região do planalto central do Rio Grande do Sul um homem, contaminado pela Covid-19 e que deliberadamente saiu pela cidade cuspindo nas mãos e disseminando o vírus em maçanetas, carros, portas. Por onde passava ia deixando este rastro invisível do mal. Imagens de vídeo registraram este horror. Já tinha sido preso dias antes por causa deste crime, foi solto, e novamente repetiu o ato. Quando vemos alguém no espaço público sem máscara, sem o cuidado com o outro, de certa forma, está cuspindo no mundo sua falta de solidariedade. Todos sabem de onde mais estamos recebendo a saliva contaminada. É muito triste e desesperador.

Quando nos habituamos com o horror, jogamos fora a dignidade humana, como lembra Kafka. Prefiro apostar ainda que a solidariedade vai vencer, pois é comovente vermos milhares de profissionais da saúde diariamente dedicados a salvar vidas e tantos outros gestos anônimos de cuidado com seus semelhantes. Nestas horas lembro sempre de Estamira  (filme de Marcos Prado), uma mulher filósofa e catadora no maior aterro sanitário da América Latina, o Jardim Gramacho,  dividindo o pouco que tinha com os parceiros de trabalho, “ Meu prazer é ajudar alguém! ”. Precisamos destas Estamiras urgentemente. É esta “frescura” da vida que desejamos.

(Na imagem Estamira no aterro sanitário do Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro)