MICONDÓ em Santo Tomé e Príncipe e BAOBÁ no Brasil são conhecidas como a árvore da vida. É uma árvore de grande porte, da família das Bombacáceas. Esta árvore chega a alcançar alturas de 5 a 25 metros e até 7 metros de diâmetro. O Micondó ou Baobá pode viver mais de mil anos e sua semente pode demorar até 10 anos para germinar. Para diversas culturas esta árvore simboliza a sabedoria e a história de um povo. Estamos perdendo milhares de Baobás diariamente. Vidas humanas são como Baobás pois serão sempre incomensuráveis. São tantas vidas interrompidas violentamente, muitas delas na agonia mais desumana do desamparo. Na quarta feira, 9 de Março, foram 2.349 mortes, no dia seguinte, 2.207 mortes de pessoas contaminadas pela Covid 19, um número impensável, obsceno, monstruoso. Estamos mergulhados em uma avalanche de dores, e testemunhar o desespero de alguém se despedindo da vida nos corredores e porta de hospitais lotados é inaceitável. O trabalho incansável das equipes de saúde não consegue dar conta do abismo em que todos nós fomos jogados, sabemos exatamente por quem. Os Baobás e os Micondós vão tombando um a um. Vamos perdendo histórias, futuros, esperanças uma a uma.
Para que este número monstruoso de mortes tome alguma forma evoco aqui duas mortes recentes, tristes como todas elas. Dois jovens brasileiros, lutando por todos nós, morreram precocemente. Não conheço diretamente nenhum dos dois, mas é como se os conhecesse, já que recebi a notícia de amigos próximos. Um pesar por não ter podido conhecê-los. Agora só nos resta ir buscar estas folhas secas caídas da história e cuidar delas com o respeito que temos que ter pelos mortos e o cuidado com suas memórias. O luto é hoje um exercício diário, obrigatório, insubstituível, inadiável para todos nós.
Michele Sandri, 44 anos, morreu no dia Internacional da Mulher, dia 8 de março. Soube desta morte pelo testemunho emocionado de uma amiga, no evento Cidadania e Arte, uma vigília em memória das mulheres vítimas de feminicídio que durou 24 horas. Michele era a secretaria de mulheres do PT em Porto Alegre e deixa uma filha.
Geovany Jesse Alexandre da Silva, era arquiteto e urbanista, professor da Universidade Federal da Paraíba. Leio a notícia do falecimento, lendo um post de um amigo. Geovany lutava por uma arquitetura sustentável. Tento ler algo sobre ele e encontro um belo texto publicado por ele ano passado com o tema Pandemia e Urbanismo no jornal da USP. Ele deixa 3 filhas, Sarah, Sofia e Esther.
Vejo imagens dos dois tão jovens, sorridentes em algumas imagens, mas resolvi não colocá-las aqui para acompanhar este registro. Preferi escolher a imagem de um Micondó, a árvore da vida, como se ali Michele e Geovany estivessem presentes, como se nestas árvores as 2.349 e as 2.207 pessoas que morreram nestes dois dias estivessem presentes. Penso nestas filhas que irão crescer, lembrar, sonhar com um país melhor para terem seus filhos e suas filhas, irão poder contar esta história para que nunca mais precisemos passar por isto. Nada mudará no curso da história deste país se não ocuparmos com força e determinação um lugar de testemunho, guardando todos estes arquivos e transmitindo, sem descanso, para a geração que virá.
É isto que faz a poeta Conceição Lima de Santo Tomé e Príncipe. Como ela escreve “Há de nascer de novo o micondó – belo, imperfeito, no centro do quintal”. Este poema que transcrevo abaixo é ao mesmo tempo uma oração de luto e de luta. Podemos esperar 10 anos para que as sementes floresçam, mas não desistiremos de cultivá-las.
SÓYA
Há-de nascer de novo o micondó —
belo, imperfeito, no centro do quintal.
À meia-noite, quando as bruxas
povoarem okás milenários
e o kukuku piar pela última vez
na junção dos caminhos.
Sobre as cinzas, contra o vento
bailarão ao amanhecer
ervas e fetos e uma flor de sangue.
Rebentos de milho hão-de nutrir
as gengivas dos velhos
e não mais sonharão as crianças
com gatos pretos e águas turvas
porque a força do marapião
terá voltado para confrontar o mal.
Lianas abraçarão na curva do rio
a insônia dos mortos
quando a primeira mulher
lavar as tranças no leito ressuscitado
Reabitaremos a casa, nossa intacta morada.