Angústia é a reação frente ao perigo. A situação de perigo é percebida, recordada, provocada pelo desamparo. Portanto, a angústia é a reação originária frente ao desamparo. O desamparo primordial ocorre no nascimento, devido à dependência absoluta do bebe ao outro, em geral a mãe. Ao longo da vida ocorrem sentimentos de desamparo de caráter psicológico, nos conflitos, nas separações, na solidão, na carência de amor. O desamparo pode ser imaginado como um grito desesperado de ajuda em direção ao outro. E se o grito não é escutado, o desamparo torna-se desespero. O desamparo está no centro da condição humana, hoje ainda mais.
Há anos, há muitos anos, a humanidade não se sentia tão desamparada como agora. A pandemia do Covid-19 está na vida das crianças que falam nele, o vírus está na vida de todos como ameaça. O inesperado da vida hoje é um trauma, há um sentimento de vulnerabilidade com muitas incertezas.O vírus invisível se espalha em alta velocidade no mundo. Mundo que está vivendo uma metamorfose, uma transformação diante do inesperado, do imprevisível. Que mundo está nascendo agora, que mundo será ainda não se sabe. Recém começa a imaginação do futuro a partir do presente onde crescem a cada dia as redes sociais no trabalho e na convivência social. O desamparo nos defronta hoje com uma situação em que se evidencia a vulnerabilidade da condição humana. Definitivamente, fica provado o quanto não somos os donos da Terra, o quanto a arrogância é ameaçada diante de um vírus invisível.
Buscam aqui diminuir o poder do inimigo que adoece e mata, julgam saber o que não sabem. A onipotência não suporta a incerteza, não tolera sentir-se ignorante diante de uma mudança na realidade. Negam, sustentam que rezar, fazer política, é mais importante que as ciências nessa guerra. Esse é um destino funesto diante do desamparo que leva a mais mortes, pois dividem na hora que é preciso somar. É como se o técnico de um time atacasse o capitão do time, o que fragiliza o grupo, abrindo assim as portas à derrota. Outro destino funesto são os que seguem atacando a solidariedade, onde uns precisam dos outros e a sociedade dos desiguais precisa ser mais justa. É provável que no mundo pós-vírus a crueldade se manterá, são os enlouquecidos pelos lucros e o poder a qualquer custo. Felizmente, diante o desamparo, também há os destinos criativos que não são poucos.
Há as ciências essenciais, assim como as artes, a natureza que precisa ser protegida, o amor e o humor. O humor é um dom precioso nesse clima meio depressivo. A magia do humor movimenta a realidade, seu encanto diminui o desencanto, sua graça alivia a desgraça, é o entusiasmo de brincar que aumenta a potência de viver. Potência que dá brilho ao mundo visto agora sob um novo ponto de vista, outra lógica. Charles Chaplin afirmava que a leveza do humor deveria estar a favor dos mais fracos e não dos poderosos. Um dia perguntaram ao Millôr Fernandes por que ele sempre criticava os donos do poder. Disse: “Eles são fortes o suficiente e não precisam de defensores”. O humor goza a arrogância dos ricos como revela esta história: “Numa sinagoga, um judeu muito rico reza ao lado de um homem bem pobre. O rico diz: ‘Diante do Senhor Todo-Poderoso, eu não sou nada”. O pobre repete em seguida: “Também eu, diante do Senhor Todo-Poderoso, não sou nada”. Ao que retruca o judeu rico: “Veja só, Senhor, quem pretende ser nada!”.
Hoje cada um se confronta, ainda mais, com seu desamparo, e se num certo nível é preciso desenvolver a autonomia, por outro lado é indispensável o apoio das redes solidárias, as redes de proteção. São as pontes de contato, de aprendizado, de imaginação, de ruptura da solidão. Pontes que levam palavras e trazem palavras, levam afetos e trazem carinhos, assim os conhecimentos vão e vêm. Vão e vêm, vêm e vão num balanço de incertezas, com amor e humor. Hoje mais que nunca está indicado:
“DESAMPARADOS DO MUNDO, UNI-VOS.”
P.S. Domingo estarei aqui no face ao vivo conversando sobre Humor e Desamparo às 16 horas