O escritor Gabriel García Márquez, ao receber o Prêmio Nobel de Literatura, fez um discurso. Falou sobre a violência da colonização europeia, seguida por déspotas e ditaduras militares, e, ao final, concluiu: “Este é, amigos, o nó da nossa solidão”. A frase do autor de “Cem anos de solidão” segue sendo importante. Hoje a solidão da maior parte do povo brasileiro se defronta com os ataques à universidade pública, à saúde pública, à educação pública, à cultura. Há uma solidão do povo diante dos poderes: Judiciário, Forças Armadas, Governo, Legislativo, grandes mídias. Essa solidão gera desânimo, desconfiança, uma quase passividade diante da diferença de forças. Até mesmo em países onde os povos reagem, como o Chile, a Bolívia, o Equador, se veem multidões desarmadas diante da crueldade das forças repressivas.
O Brasil se transformou num país onde os poderosos podem tudo, podem matar, roubar e não são julgados, como as milícias. Muita incerteza no ar, pois a democracia está na UTI. A expressão justiça social foi esquecida, justiça passou a ser INjustiça. Está difícil acreditar num futuro, pois as esperanças tendem a se diluir. Uma verdadeira crise da subjetividade dos valores éticos diante da repetição das mentiras. Boa parte da sociedade parece anestesiada. Felizmente nem todos estão desanimados, pois a humanidade segue pulsando. Nessa mutação política em que os inimigos da democracia são internos, aumenta a comunicação virtual. As redes cresceram, é o século das redes sociais, das relações virtuais.
As novas pontes de contato, por sua vez, revelam os prejuízos dos que vivem isolados diante das telas. Estudos feitos em universidades norte-americanas revelam um aumento de doenças cardíacas, diminuição da imunidade e depressões. Os deprimidos, em especial, buscam morar no hotel da solidão, perdendo assim o entusiasmo vital. Nesse sentido as redes sociais são insuficientes para potencializar a existência. Muitos desnorteados perguntam o que fazer, e graças a esses inquietos sonhadores, que no último sábado pela manhã lotaram o Studio Clio de Porto Alegre.
“Por que sonhar a democracia?” foi a pergunta que o Ebeppoa, instituição psicanalítica, criou para festejar o terceiro aniversário do Psicanalistas pela Democracia, o PPD. Foi uma manhã ensolarada com céu azul, que rompeu esse ano cinzento. A primeira a falar foi Roberta Pires que discorreu sobre: “Os vagalumes como uma comunidade de lampejos, pontinhos escuros numa sociedade de ferozes holofotes totalitários. Ou os vagalumes iluminam mesmo na escuridão que vivemos hoje”. Falei sobre o racismo estrutural dos negros que se mantém vivo na atualidade, e o Brasil aceita a crueldade atual no assassinato de jovens negros. Crueldade aceita pelo nosso narcisismo das grandes indiferenças. Já o Edson Sousa, professor da UFRGS, enfatizou: “Sempre que o futuro se radicaliza em um projeto único, uma sombra cai sobre o amanhã. Portanto, criar é sempre criar um futuro, um horizonte que exige de nós uma liberdade para um fazer irreverente”. Finalmente, Paulo Endo, professor da USP e integrante do PPD, falou emocionado e agradecido a todos. Enfatizou sobre a importância da amizade, de ser amigo dos que não se conhecem e sobre os sonhos: “Os sonhos são os sismógrafos do tempo presente. Quando não pudermos mais sonhar, ainda poderemos sonhar os sonhos dos outros”.
A manhã do sábado foi iluminada pelas luzes dos vagalumes nas palavras e silêncios, nas reflexões e emoções. Há muitos que não são indiferentes diante da loucura das injustiças crescentes. Os amantes da liberdade constroem pontes, não se isolam, e assim afrouxam o nó da nossa solidão. Pontes que sustentam o entusiasmo do espanto que alimentam o coração alegre das boas lutas. Pontes não só virtuais, mas pontes para unir os que mantêm a chama de hoje pensando no amanhã.