As paixões excitam, emocionam, entusiasmam. Paixão é o desejo posto em tensão, e esse desejo é inconsciente. Ou seja, o apaixonado não sabe por quem está cego de amor. Busca a unidade, busca se fusionar com sua paixão. Exemplos não faltam, seja a paixão amorosa, ou por uma droga. Na Grécia o filosofo Platão definiu a paixão como uma enfermidade da alma, pois paixão deriva de pathos, passio, sofrimento, doença.
Hegel tem uma frase histórica: “Nada de importante se realiza na História sem paixão”. A paixão é universal, e está nos artistas e cientistas. Todos já estivemos apaixonados pelos progenitores, algum professor, uma colega, enfim a paixão constitui a condição humana. Essencial nas tragédias e dramas teatrais, no cinema, na Filosofia e na Psicanálise. A paixão pelo poder tem sido um dos motores essenciais das guerras e da História da humanidade.
Há paixões tanto a nível da vida privada como na vida pública. A paixão numa pessoa é a busca desesperada pela unificação com a plenitude. Estar apaixonado é emocionante, que maravilha ver um casal apaixonado. Já uma pessoa dependente de droga, apaixonada por ela, é angustiante. Nas paixões de ódio, se vê seguidamente, como no amor ocorrem crimes. Quando uma paixão termina, e um não suporta o fim e mata o outro. São em geral os feminicídios, tema tão em voga, que deveria ser preocupação de todos. O machismo, mesmo em declínio, segue matando sem dó nem piedade.
Já a nível da vida pública, o mal pode ser projetado nos adversários para fora de si. Movidos então pela crueldade atacam como podem os que definem como inimigos. Um exemplo recente são as ditaduras militares que criaram a expressão inimigo interno que devia ser, o inimigo a ser destruído. Aliás, a expressão inimigo interno dá o que pensar, pois o inimigo dentro de si é expulso e localizado no outro. Todo o mal está nos outros, a lógica é nós contra eles, onde eles são os inimigos que devem ser mortos.
As paixões criativas estão nas artes, nas ciências que tantos dedicam a vida. Elas também buscam mudanças como a luta contra o poder absoluto, a liberdade, o progresso, objetivos da razão iluminista. Essa razão inspirou Sigmund Freud a escrever em 1923: “O Eu(ego) representa o que chamamos de razão e a reflexão, enquanto o Isso(id), pelo contrário, é dominado pelas paixões”. A palavra razão da frase acima é a novidade que trouxe o Iluminismo do século XVIII.
A paixão é uma centelha, uma força motora –il primo motore– da atividade humana. Até aqui foram referidas duas paixões: as paixões derivadas do amor e as do ódio, as mais conhecidas. Entretanto há uma terceira paixão, a paixão da ignorância, segundo Jacques Lacan. Ele escreveu que se inspirou no budismo para estudar essa paixão. A ignorância expressa o desejo de não querer saber, isso ocorre através da repressão, da negação para não saber. Tudo para evitar as dores da verdade que está no estranho, no desconhecido que se tornam alvo do ódio. Logo, o ódio e a ignorância são duas paixões que se associam. Como é impossível destruir totalmente o estranho, o novo, o homem busca dominá-lo e um dos caminhos é o amor ao saber. Assim ocorre uma transformação pulsional do ódio ao amor ao saber. Entretanto, o outro caminho é o dos poderes autoritários que sempre atacaram o conhecimento como ocorreu, por exemplo, na Alemanha Nazista. No dia 10 de maio de 1933 foram queimados milhares de livros nas praças públicas. Aí está um exemplo da paixão de ignorância.
Quando um governo ataca os professores, a universidade, a cultura popular expressa sua paixão de ignorância. A paixão de ignorância é cruel, daí sua associação com o paixão do ódio. A paixão é a vela, e a razão o leme, logo quando os ventos são tempestades, o leme, que é a razão, fica inativo. Aí o timoneiro pode perder-se e o barco ficar à deriva. A tripulação angustiada se assusta, pode ficar em pânico, mas ainda assim é preciso cantar: “Vento diga por favor aonde se escondeu o meu amor”. Nosso amor hoje, é o amor a democracia.
Imagem: Chikatsusei Maunkinshi, de Shiraga Kazuo (the Gutai group)