RESUMO: Neste artigo apresentamos a experiência em arte-educação[1] desenvolvida entre os anos de 2013 e 2016 com adolescentes em medida de privação de liberdade na Fundação de Atendimento Sócio-Educativo de Porto Alegre (FASE/RS). O projeto é uma iniciativa de um professor, com o apoio da Secretaria Estadual de Educação e executado na Escola Tom Jobim, localizada no interior da FASE/RS. O objetivo do projeto é problematizar os efeitos da arte, especificamente do desenho e da pintura, na produção de laços sociais, cidadania e novas subjetividades. Também há um caráter profissionalizante e gerador de renda, a partir de exposições e comercialização das obras. Percebeu-se ao longo do projeto que o acolhimento das emocionalidades dos adolescentes nas vivências artísticas, ampliou o engajamento destes em atividades institucionais, diminuindo conflitos interpessoais e gerando uma sensação de pertencimento a sociedade.
Palavras chave: arte-educação, adolescentes em privação de liberdade, aprendizagem, inserção social, cidadania.
Você vive pra quê? Pela arte de viver!
Pela arte de aprender!
Pela arte de não sei o quê?!
Porque a arte é a filosofia do infinito.
M., 17 anos (adolescente do Artinclusão)
A violência entre jovens é uma realidade que tem assolado as grandes cidades brasileiras, fazendo do país o campeão absoluto em homicídios, com 58.000 mortos somente em 2015 (Anuário FBSP, 2016). Sabe-se que ao menos 60% das vítimas – mas também protagonistas destas mortes – são jovens entre 15 e 24 anos, muitos deles evadidos da escola e com passagens anteriores pelo poder penal. Essa realidade nacional repete-se no Rio Grande do Sul e Porto Alegre, onde os homicídios envolvendo adolescentes entre 16 e 17 anos aumentaram 90% entre 2003 a 2013[2], por exemplo.
A necessidade de enfrentar essa realidade trágica motivou a realização do presente artigo, onde relatamos a experiência do projeto “Artinclusão” desenvolvido com adolescentes em privação total de liberdade na Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Rio Grande do Sul. A iniciativa tem por desafio principal unir os territórios da educação e segurança pública, integrando-se ao currículo de uma escola pública estadual, porém localizada intramuros e frequentada somente por adolescentes que cometeram atos criminais. Emerge, portanto no paradoxo entre uma educação que se pretende libertadora e uma instituição de confinamento, onde o limite opressivo do Estado é prerrogativa para a manutenção da vida. Desta experiência limite tensionamos para a potência de vida presente na arte.
As origens do projeto: violência escolar e bullying na cidade
“Meu filho era ingênuo, não tinha maldade nenhuma no coração. Ele vinha pedindo para sair de lá, falava: ‘Mãe, eles não me deixam estudar, ficam me xingando de gordo’. Várias vezes falei com a Direção da escola, mas nada foi feito.”
(T., mãe do adolescente M., 14 anos, assassinado em 2010)
Apesar de desenvolvido intramuros, as primeiras ideias quanto ao projeto “Artinclusão” surgem como resposta à um problema das grandes cidades contemporâneas: a violência escolar. Na primeira década do século XXI, o Rio Grande do Sul registrou uma série de agressões envolvendo alunos da rede pública, o que levou a um debate no campo da educação sobre o bullying. A expressão inglesa deriva de bully (valentão, briga) e pode ser traduzido como “intimidação, agressões ou provocações no ambiente escolar”. Para Rolim (2008):
A maior parte dos autores tem tratado o bullying como um comportamento agressivo e perigoso, disseminado na escola entre crianças e adolescentes, onde alguém oferece de maneira repetida e consciente algum tipo de dano ou desconforto a outra pessoa ou grupo de pessoas. Geralmente é o resultado de uma relação desigual de poder, em que o agressor é mais forte ou influente que a vítima.
(Rolim, M. 2008, p.24)
Entre os anos de 2006 e 2010, o Rio grande do Sul registrou cinco homicídios por conta de conflitos relacionados ao bullying[3]. Como professor da Escola Estadual Padre Reus, uma das maiores instituições de ensino público do Estado, localizada no Bairro Tristeza em Porto Alegre, fui convidado a elaborar e executar um projeto como uma resposta a esse cenário tenso. Surgia o “Escola Sem Violência”, com o propósito de investigar a violência escolar, propondo a ressignificação dessas práticas em oficinas como artes visuais, teatro, música, dança e jornalismo. Por conta da violência patrimonial, a escola gastava cerca de R$ 24.000,00 por ano em reparos. A partir do projeto esta verba foi poupada e a Direção da Escola pode aplicá-la em recursos educacionais, como uma sala de vídeo e benfeitorias gerais ao ambiente[4]. Além disso, os índices de conflitos interpessoais diminuíram, criando um ambiente atrativo.
Com base nessa realidade, a Secretaria Estadual de Educação aceitou o desafio proposto de ampliar as oficinas de artes plásticas para a Escola Tom Jobim, situada no interior da FASE – Porto Alegre. Em março de 2013, com o nome de “Artinclusão” demos início as atividades, que ocorriam ao longo de duas horas, envolvendo cinco grupo de adolescentes de perfil agravado, reincidentes e com privação total de liberdade. O projeto foi recebido com desconfiança pela instituição:
O estranhamento inicial pelos professores da escola e monitores da FASE era grande. Não entendiam a disposição em montar e desmontar um ateliê completo para promover uma oficina curta. Por outro lado, achavam que duas horas era tempo demais para manter “adolescentes problemáticos” concentrados em uma só atividade. Mas para surpresa geral, eles não só ficavam como produziam obras criativas e com técnica.
(Diário de Campo, A.P)
Em dezembro de 2013 o “Artinclusão” recebeu o prêmio Direitos Humanos concedido pela Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos, pelos resultados de melhoria comportamental dos adolescentes envolvidos e pela geração da renda de R$ 5.000,00, obtida com a venda das obras produzidas, em duas grandes exposições naquele ano.
O Projeto “Artinclusão”: dados e metodologia
O projeto “Artinclusão” desde março de 2013 já beneficiou 243 adolescentes internados na FASE – Porto Alegre, atendendo quatro alas masculinas e uma feminina. Com relação ao histórico criminal, 84% destes cometeram delitos contra a vida (homicídio, latrocínio, estupro e lesão corporal) e 16% furto, roubo e tráfico de drogas. No que tange ao histórico social, percebe-se a preponderância de condições de exclusão social, sendo que por ocasião do aprisionamento a maior parte dos jovens não trabalhava ou estudava. Em termos familiares, percebem-se dificuldades variadas, com destaque para a ausência da figura paterna, tanto na certidão de nascimento como no convívio social. Em geral, os jovens consideram a mãe a pessoa mais valiosa e que mais os apoia na vida. Em menor número estão os que vivem com a avó, os vindos de abrigos, os que abandonam o lar por maus tratos, violências e abuso sexual. O elo comum entre eles é o envolvimento com algum tipo de droga, maconha e/ou crack, principalmente. A participação em gangues ou facções criminosas tem sido um dado crescente nos últimos anos.
Com o exposto fica evidente que estamos diante de indivíduos que passaram por situações traumáticas que repercutem em seus comportamentos nas oficinas. Nos primeiros encontros os participantes tendem a apresentar as seguintes características: agitação contínua ou retraimento; impulsividade e/ou agressividade, perturbadores; tendência a meter-se em apuros e geralmente desconectam pensamentos e emoções Apesar desses comportamentos, é comum a presença de capacidades artísticas e poéticas, como no verso do poema “Arte: filosofia do Infinito”:
Sentei na frente do lago, pro mundo da lua fiz uma viagem. Peguei a tela e retratei minha imagem.
Mas pensando bem a arte é cosmopolita, teatral, arte de rua, tem até fictícia. Mentira!
A arte é uma verdade, sempre tem uma história por trás. Seja de um covarde, ou de um valente voraz.(…)
(P.M. 17 anos adolescente do Artinclusão)
O projeto é composto de cinco oficinas de 2hs cada, resultando na produção de obras artísticas que são exibidas e comercializadas em duas a três grandes exposições públicas anuais. Entendemos assim como Etchepare (2004), que é no desenho e na pintura que a pessoa se revela como um todo, expressando-se profunda e simbolicamente, aliviando-se de traumas e predispondo-se à aquisições de novas formas de comportamento Acredita-se que todo ser humano possui uma tendência inata à autorrealização e como um todo unificado deseja ser aceito e compreendido tal como é.
Nos primeiros meses de projeto foi possível identificar as principais necessidades dos adolescentes que as oficinas poderiam atender, tais como: melhoria na auto-imagem, problemas na auto-estima e insatisfações variadas. A partir desse diagnóstico inicial, a constituição da abordagem educativa priorizou duas teorias: a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire (1921-1997) e a Fenomenológica-Existencial, do alemão Edmund Husserl (1883-1969).
Para Freire (1987) é necessário estimular a inserção do indivíduo no seu contexto social, aprender a ler a sua realidade, conhecê-la para, então, transformá-la. Neste método há um trânsito entre conteúdos abstratos e os concretos, como forma de promover uma consciência crítica da sua realidade social e, assim, produzir autonomamente a construção do conhecimento. A partir da ideia freireana de que “o mundo não é, o mundo está sendo”, busca-se uma educação que ajude as pessoas a serem sujeitos de sua própria história e a transformar as circunstâncias da realidade (Freire, 2002). Para a teoria Fenomenológica-Existencial, o ser humano também é o ponto de partida, percebido como um ser em constante relação com o mundo, com sua cultura, sua história e com os outros ao seu redor (Goto, 2008). Assim, nas oficinas do “Artinclusão” o objetivo que sustenta o cenário mantém-se o mesmo: saber quem é a pessoa humana que está ali, sondar quais são suas potencialidades e como desenvolvê-las. Objetivo entendido pelo adolescente P. M. 17 anos, instigado a “retocar” seu autorretrato, sua vida como uma obra de arte:
“(…)Me achei, me encontrei, eu estava perdido, folclore? lenda? Não! É o mito de Narciso! Pinta! Retoca os detalhes! Dá mais uma demão! Professor Aloizio, projeto Artinclusão!”
O processo das oficinas é composto de etapas, que podem ser resolvidas num único encontro, conforme o exercício pictórico empregado, mas o mais comum, já que a ênfase é na técnica de pintura acrílica por camadas, que ocupe vários encontros até as finalizações das obras, incluindo sempre fundamentações teóricas, que vão permeando e embasando a prática. O período para se aprontar uma exposição vai de três a quatro meses com o mesmo grupo. Geralmente a 1ª etapa consiste em exercícios livres de riscos, linhas e traços com giz de cera sobre um amplo papel pardo, acompanhado de técnicas corporais de respiração profunda. A utilização das linhas livres tem por objetivo estimular o pensamento abstrato, a memória inconsciente e o livre fluir do psiquismo:
Com respeito ao clima expressivo, vale notar ainda que no fundo, as linhas nascem do poder de abstração da mente humana, pois não há linhas corpóreas no espaço natural. Ao percebê-las as interpretamos variadamente, como manifestações de energias naturais, de forças que se expandem ou se contraem, ou como pessoas e objetos presentes. (…) Para nós, pode haver “linhas” que provenham do registro mental de certos acontecimentos e que estão sendo comparadas mentalmente em nossa memória, com o alcance e a direção de novos acontecimentos. Eventualmente interpretamos tais linhas como processos que se desdobram. (Ostrower, 1983)
A partir desses riscos, linhas e traços tem inicio a 2ª etapa, quando os adolescentes são estimulados a encontrarem formas abstratas ou figurativas e colori-las com giz de cera ou tinta acrílica e pincel. Nos encontros subsequentes a produção iniciada em papel pardo recebe outro suporte: a tela, para as criações que serão expostas. Assim, estimula-se a ideia de continuidade e fortalecimento das produções de grupo, em um público tradicionalmente acostumado a lógica temporal do “aqui e agora” (Rolim, 2016).
A 3ª etapa de cada oficina é o momento em que os adolescentes são convidados a produzir anotações sobre a experiência do dia, como alguns artistas fazem. O objetivo é sondar como cada um está percebendo e trazendo para o consciente a circunstância vivenciada. Dessas experiências é possível extrair relatos que destacam o convívio de sentimentos contraditórios:
Ira, amor, muita coisa, consegui trazer tudo à tona com o meu desenho. (B. P. 15 anos)
Hoje desenhei coisas difíceis de expressar. Andei por uma estrada que não tem fim. Problemas ficaram em preto e branco. No meio da estrada uma rosa. Sofrimento. Solidão.” (J. K, 17 anos)
Para Nise da Silveira, psiquiatra que adotava a teoria Fenomenológica-Existencial com os seus pacientes, a arte é o catalizador por excelência das aproximações de opostos. Por seus intermédios, sensações, emoções, pensamentos são levados a reconhecerem-se entre si, a associarem-se, e mesmo tumultos internos adquirem formas (Silveira, 1981). Nesta mesma linha propõe Baumgart em seu “Breve história da arte” (1999):
A arte como princípio ordenador representa um dos meios mais diretos de dominar o caos exterior e interior do homem. O desconcertante, o assustador e inconcebível da vida só pode ser ordenado ao receber forma. A arte é a configuração do desordenado, que sempre significa ameaça. (Baumgart, 1999)
Análises de pesquisadores renomados que são corroboradas por depoimentos carregados de memórias emocionais como o do jovem N.S. 17 anos:
Desenhei pra desvirtuar o que sinto aqui dentro. As duas figurinhas são meus sobrinhos. Fiz uma paisagem imaginária para eles se sentirem bem e não sentirem o que sinto aqui.
Ainda com relação à metodologia de trabalho é importante pontuar que os exercícios de desenho e pintura sempre partem do grupo todo desenhando ou pintando juntos para, depois, cada um se responsabilizar por sua parte, quer seja em papel pardo sobre a parede ou estruturando o desenho em telas justapostas. Assim procura-se preservar a autoria individual e a do grupo, permitindo aos adolescentes a construção de laços sociais produtores de sentimentos positivos:
O que achei muito interessante é que unidos formamos ideias brilhantes representando nosso ser.
( R.S 17 anos.)
Maffesoli (1988) em seu “Elogio da Razão Sensível” define a experiência estética como um elemento precioso na maturação e desenvolvimento do cérebro humano. Nessa perspectiva, contribui para a constituição de uma autoimagem com maior densidade subjetiva, conforme aponta o relato de um adolescente:
Hoje a oficina me trouxe mais fé. Estou acreditando mais em mim. (D.M. 16 anos)
As oficinas utilizam também recursos como vídeos e ilustrações de artistas para sensibilizar as percepções dos adolescentes. Entre estes se encontram vários vídeos de Jackson Pollock (1912-1956) sobre sua técnica action painting (pintura de aço), que consiste em estruturar o espaço com linhas soltas e espontâneas a partir do livre e amplo gestual do artista, e depois preenchê-lo com cores. Segue-se a esse momento, o convite a todos os adolescentes para que, inspirados no que assistiram, expressem-se no papel pardo ou cartão preso na parede, com a técnica difundida por Pollock. Esta prática é, posteriormente, reproduzida em tinta acrílica sobre tela.
Quando comecei aquela pintura acrílica sobre cartão, nem sabia o que fazer, mas no final estava me expressando sobre as tintas. Nunca pensei que eu poderia começar e terminar um quadro em acrílica. É uma coisa diferente do nosso dia-a-dia. Em nosso bairro a gente não vê um atelier para a gente se interessar, só acontece mortes e a guerra do tráfico ( G.M. 18 anos)
Outra ferramenta de análise e abordagem nas oficinas são as cores. Acredita-se que elas possuem papel terapêutico e analítico sobre o processo de pintura. À exemplo do proposto pelo pintor Mondrian (Baumgart, 1999) identificamos as cores primárias, secundárias e terciárias, que de acordo com sua colocação na obra, criam a ilusão de um espaço maior. Já do pintor Kandinsky, chamamos a atenção para a utilização das cores excêntricas e concêntricas, isto é, as primeiras são aquelas que chegam rápido ao olho do espectador e as concêntricas, as que se distanciam deste. O mesmo pintor aponta para a emoção que cada cor representa:
Amarelo: identidade pessoal, explosão de energia;
Azul: desejo de pureza, saúde, de contato com o divino;
Branco: pureza, alegria, o início e a eterna possibilidade;
Preto: enfrentamento dos medos, transmutação;
Vermelho, autoconfiança, sensualidade, agressividade;
Laranja: empatia;
Violeta: espiritualidade pelo sofrimento.
(Kandinsky, 1987)
A partir dessa metodologia, os adolescentes são convidados a reconhecer suas próprias emoções na escolha e uso das cores nas suas obras, processo subjetivo que permite um apropriar-se de si:
Nos primeiros dias de oficina, eu não levei a sério porque pensei que não ia me adiantar de nada. Com o passar das semanas, fui me acalmando mais, porque para fazer esse trabalho não é só saber pintar, tem que ter calma e paciência. As cores usadas na minha bandeira são relacionadas com o sofrimento na família. Por exemplo, a cor preta significa muita briga com a família. A cor vermelha, muita revolta. E a cor amarela é a cor do amor no meio de tudo isso.
(G. M. adolescente Artinclusão, 18 anos)
Outra técnica artística utilizada é a técnica do dripping ( gotejamento), criada por Max Ernest (1891-1976). Nessa técnica, também chamada de pintura automática, as obras são finalizadas na mesma oficina. (Baumgart, 1999). Ficam dispostas no chão, após terem sido preparadas com uma cor de fundo por cada um de seus autores, estes passam a caminhar ao redor da tela e com movimentos corporais “gotejam” tinta sobre a mesma, utilizando os pincéis como bastões, a partir das emoções evocadas pela cores escolhidas. Em termos terapêuticos, essa técnica permite ao adolescente apropriar-se de suas emocionalidades violentas como algo que constitui suas vidas, que possui responsabilidade e autonomia para produzir, mas também para escolher fazer diferente. Da mesma maneira, constitui-se a ideia de que a violência não precisa ser anulada, mas compreendida e transmutada:
Quando iniciei no curso de artes pensei que não era legal, mas fui me modificando totalmente. Aprendi que mesmo jogando tinta na tela é a nossa vida que está ali. A vida que simplesmente vivemos e que o mundo todo pode estar vendo, e vendo que no mundo não existem pessoas que fazem o mal sem ter feito o bem. Pelas pinturas vemos que não é porque a pessoa está num lugar ruim que não vai demonstrar amor pela sua própria vida.
( W.B. adolescente Artinclusão, 17 anos).
Outras técnicas que contemplem a autoexpressão e o autoconhecimento podem ser utilizadas. É o caso da pintura de autorretratos. Tomamos como inspiração desta técnica o mito de Narciso, cujo protagonista da lenda nasceu do estupro do deus-rio Cefiso com a ninfa Liríope e teve que enfrentar-se mirando num lago para renascer simbolicamente (Sppineli, 2010). Uma história com muitos pontos em comum com a maioria dos participantes, que são então convidados a olharem para o espelho de seu Eu, conforme foram capazes de produzi-lo. O jovem C.P.M. de 17 anos descreve as sensações que sentiu com esta técnica:
Sentei na frente do lago/ pro mundo da lua fiz uma viagem/ peguei a tela e retratei a minha imagem / (…) me achei, me encontrei, / eu estava perdido…/ folclore? lenda? Não! É o mito de Narciso.
Por fim, ao cabo de, aproximadamente, dezesseis encontros, os grupos adquirem uma autêntica vivência de atelier, que vai culminar na abertura de mais uma exposição, onde serão as figuras de destaque. Esta ação visa introjetar a ideia de continuidade, produção de grupo, expressão de talentos dos adolescentes, constituir laços sociais e, por fim, gerar renda para os próprios adolescente, por meio da comercialização das obras.
Considerações Finais
Realizado desde o início de 2013, o Projeto “Artinclusão” já promoveu as exposições “Picasso vai à FASE”, “Iberê Camargo: Vidas Compartilhadas-Releituras” e “Miau Miau, Cocó rocó: Releituras de Aldemir Martins”, entre outras. A reportagem sobre a exposição “Picasso vai à FASE”, exibida pelo Jornal Zero Hora (28/02/2016) recebeu prêmio Ari de Jornalismo, reconhecendo como uma das mais importantes matérias sobre cultura no Estado do Rio Grande do Sul no último ano.
Como resultados qualitativos, percebe-se que a manutenção do projeto na FASE Porto Alegre proporcionou a transformação do cenário institucional, representando em atos concretos como a criação de uma galeria de arte permanente no interior da instituição. Do ponto de vista dos adolescentes, percebe-se segundo relatos dos servidores, a ampliação da participação na escola, aumento de sua capacidade verbal, melhoria dos desempenhos escolares e maior integração dos jovens à projetos extramuros. Além disso, houve um decréscimo das alterações disciplinares entre os participantes do grupo, sendo que na última rebelião ocorrida, maio de 2015, no CSE/FASE, os únicos jovens que não participaram eram alunos do projeto.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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_____________Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
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10º Anuário do Fórum Brasileira de Segurança Pública. São Paulo: 2016.
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WASSILY, Kandinsky. Do Espiritual na Arte. Lisboa: D.Quixote, 1987.
[1] Arte-educação, ensino de arte ou educação artística é uma disciplina educativa que oportuniza ao indivíduo o acesso à arte como linguagem expressiva e forma de conhecimento (Iavelberg, 2003) .
[2] http://gaucha.clicrbs.com.br/rs/noticia-aberta/taxa-de-homicidios-de-adolescentes-cresce-90-em-porto-alegre-141459.html
[3] Um dos casos de maior impacto foi o assassinato do menino M., 14 anos, aluno da 6 ª série do ensino fundamental da Escola Antonio Giudice, morto a mão armada por outro colega, de apenas 15 anos. O homicídio foi o desfecho de uma sucessão de agressões baseadas em sua forma física (M. possuía 1.83 mt e 120 kg). O autor do disparo possuía um histórico familiar complexo, abandonado pelos pais, criado pela avó e com passagens pela FASE-RS. http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/05/garoto-de-15-anos-e-morto-em-ponto-de-onibus-em-porto-alegre.html
[4] O projeto “Escola sem violência” recebeu em 2009 o Prêmio “Arte na Escola Cidadã”, conferido pelo Instituto Arte na Escola de São Paulo.
Aloizio Pedersen é professor da rede pública estadual do Rio Grande do Sul, Artista Plástico, Arte Terapeuta, Produtor de Teatro, Ator. Criador e executor do Projeto Artinclusão. Email: aloiziopedersen@bol.com.br