“Psicanalistas pela sustentação e apoio incondicional à democracia brasileira” – Por Paulo Endo

Psicanalistas pela sustentação e apoio incondicional à democracia brasileira

Autor: Paulo Cesar Endo

Em todas as ocasiões, em todos os lugares em que a democracia foi seriamente ameaçada por golpes de estado, guerras e totalitarismos eles foram acompanhados de invasões de corpos, direitos e pensamentos. Com eles a psicanálise também o foi.

No Brasil, ainda hoje se tenta compreender as razões de omissões, acordos e o suposto “apoliticismo” nos movimentos, associações e institutos de psicanálise no passado ditatorial, bem como as reações de psicanalistas que reagiram, se opuseram e defenderam a democracia arriscando seu nome, seu prestígio e sua vida.

Os golpes de estado são atos de violência que se consagram dentro ou fora do estado de direito, pela via do direito ou contra ele, e consistem em atacar de forma desabrida as posições de maioria e os direitos de minorias, por sua vez, construídos ao longo da história de sucessivas lutas sociais que constituem a representação, o discurso e a institucionalidade de uma nação democrática.

Eles atentam deliberadamente contra um projeto nacional que trabalha pelo acesso e distribuição dos benefícios econômicos, sociais e políticos menos assimétrica e desigual, e pleiteiam a constituição de valores partilhados em torno de práticas que desautorizam a força bruta.

Como tudo, a psicanálise também é ferida profundamente quando um golpe se torna vitorioso, porque a situação de fala e escuta livre é uma condição para que a psicanálise exista.

Quando isso é coibido seja pela violência física, seja pela parcialidade hegemônica no uso dos instrumentos jurídicos e comunicacionais de massa, instaura-se a hegemonia da palavra. Então, o sentido da liberdade da palavra, que inspira a associação livre, é destituído e interpretado como francamente ameaçador e corrosivo. E sem a palavra livre o horizonte fraterno se converte então, muito rapidamente, em fratricida.

Nesse contexto, a associação livre de representações, pessoas, instituições e idéias é cotidianamente coibida e transformada em seu contrário. Pessoas são convertidas em suspeitas e cativas por dizer o que pensam e sentem. E, em nome disso, cidadãos são calados, perseguidos, violentados e mortos.

Cores, credos, pensamentos, atitudes, expressões são transformados em indícios sobre os quais suposições se apoiam para destruir, maltratar e machucar pessoas; denegrir instituições; erradicar formas de pensamento.

A ambiguidade dos grupos e associações de psicanálise diante de fatos históricos conhecidos no passado, nos quais a violência e a força bruta dos aparatos militares, patrocinados pelo capital privado, comandavam a sociedade brasileira, não deve prosseguir na construção do país que queremos no futuro.

As lições que herdamos de histórias de psicanalistas no passado que reagiram ou apoiaram ou se omitiram diante de flagrantes abusos cometidos em nome do estado, devem nos servir agora para uma tomada de posição menos incerta, menos ambígua.

A psicanálise será, evidentemente, alvo de ataques se se tornam hegemônicas as demandas pela cura gay; se prosperam as tentativas de caracterizá-la como método demorado e ineficaz; se a igreja evangélica for determinante na condução das políticas de saúde no país; se as consequências psíquicas derivadas de crimes de Estado forem consideradas desimportantes.

Pensamos que o que está em jogo, nesse momento, é a frágil democracia brasileira em seu conjunto, que não pode ficar a mercê de delações premiadas sem comprovação, determinações de juízes em franca campanha político-partidária e acusações que suspendem a presunção da inocência. Tudo isso para que a sentença seja largada aos poucos veículos de comunicação de massa, que constituem hoje a voz e a vez daqueles que aguardam, pacientemente, que eles façam o trabalho sujo para retornarem ao poder limpos e de banho tomado; mais um vez por vias indiretas.

Muitos hoje temem o avanço das investigações da operação em curso, e vem no impeachment um modo de estancá-las. Pois, para muitos que vão às ruas de verde e amarelo, a saída do atual governo do poder é o único objetivo plausível das operações de investigação, denominadas de lava jato. Seriam mesmo só para lavar a jato, bater uma água, porque a faxina brava mesmo se quer a todo custo evitar.

Nos colocamos ao lado, nesse momento, a todos os que defendem os mecanismos de preservação dos resultados de eleições livres e justas e que reagirão contra a parcialidade de interesses, que nada tem a ver com a construção de um Brasil republicano e com a preservação de nossa frágil democracia.

E nos posicionamos contra às forças que hoje articulam, sustentam e apoiam investigações endereçadas para destruir pessoas e partidos específicos.

Há momentos em que o direito fere a justiça;

em que a política é apequenada pelos políticos;

em que parte das esquerdas não sabem mais de onde partiram, nem onde querem chegar;

em que a palavra veja quer dizer apenas ‘vende seus olhos’ ou ‘venda seus olhos’

Nesse mesmo torvelinho nasce, contudo, o tempo da resistência, herdada das lutas do passado e instruída pelas aspirações do tempo presente;

A compreensão mais profunda dos problemas que pautam nossas repetições;

A manifestação de divergências, até então latentes, que conflitam há séculos no país;

A urgência em apoiar os jovens brasileiros que viram antes de nós, e reagiram antes, diante do perigo do retrocesso implícito da impunidade dos torturadores do passado; do ataque sistemático ao direito à mobilidade urbana; da degradação do sistema educacional brasileiro e chamaram a atenção para paciência dos que desprezam a democracia e aguardam, demoradamente, para atacá-la sempre e uma vez mais.

O momento é esse e o tempo é agora.

Pela sustentação e apoio incondicional à democracia brasileira.