QUASE-ORAÇÃO, um Brasil enlutado – Por Edson Luiz André de Sousa

QUASE-ORAÇÃO, um Brasil enlutado – Por Edson Luiz André de Sousa

“Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim – quase a expansão…
Mas na minhalma tudo se derrama…”

Mário de Sá Carneiro

“Quase-Oração” é um dos mais impressionantes registros de memória da pandemia do coronavirus no Brasil. Trata-se de uma intervenção artística idealizada  por Diego Groisman em parceria com  quatro outros artistas: Andrei Moura, Cristina Ribas, Manoela Cavalinho e Patricia Rangel. Este trabalho está em exposição até final deste ano na Casa de Cultura Mário Quintana em Porto Alegre.

Durante dias, de forma ininterrupta, duas pessoas contam o número de mortos pela pandemia. A cada hora a dupla se reveza na continuidade da contagem das vitimas da covid. Dezenas de pessoas, voluntariamente, participaram deste projeto em 2021. Participei junto com a artista Elida Tessler quando o número chegou  em 370 mil mortos. Para cada enunciação de voz uma vida, uma morte, muitos lutos, traumas, dores, sufocamentos, desesperos, memória, homenagens. As totalidades apagam o singular, o 1+1+ 1+1+1+1+1+1+1+1+1+1+1+1+1. Cada vida é única, é um mundo, guarda uma história, armazena futuros. A contagem, por vezes, se embaralhava, pois atualizávamos  com nossa voz algo do impensável, do inominável,  do quase indizível. Embarguei a voz algumas vezes.

Quase-Oração é um memorial vivo, um testemunho de uma ferida profunda neste Brasil que vive à deriva. Estamos chegando a quase 700 mil mortes pela negligência de um governo que negou as vacinas e deliberadamente foi contra a corrente das recomendações da ciência e da OMS (Organização Mundial da Saúde). Centenas de milhares de vidas poderiam ter sido salvas.

Mas muitos esquecem tudo rapidamente! Não esqueceremos nunca! Estas vozes aqui neste trabalho artístico  acolhem a dor  destas famílias, dão corpo a tantas histórias interrompidas brutalmente. “Quase-Oração” incorpora a missão de Antígona e assim recupera nossa dignidade de humanos.

E aí me pergunto: como depois de tudo isto ainda celebram o Creonte, que debochou desta dor e bradou como uma fera “ eu não sou coveiro!” Quase- Oração reatualiza “Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto, o direito ao luto, as palavras, a poesia, a arte, que ainda podem nos salvar da estupidez.

Quase-Oração traz uma esperança de um Brasil que se esforça por ser solidário com a dor dos outros.