Todos sabem da certeza absoluta que os golpistas de 1964 tinham em mãos. Golpe urdido com o governo americano que deflagrou a conhecida operação Tio Sam. Era a retaguarda para a eventualidade de haver resistência suficiente no Brasil para resistir ao golpe. Não houve. Caso houvesse, estavam de prontidão o componente naval que consistia no porta-aviões USS Forrestal, um porta-helicópteros e seis destróieres, além de quatro petroleiros; o componente aéreo era composto por sete aviões C-135, oito aviões de abastecimento, um de apoio e socorro aéreo, oito caças, um avião de comunicações, um posto de comando aerotransportado, armas e munição. Se entrassem em ação seria um massacre e ambos, golpistas brasileiros e governo norte americano, estavam dispostos a isso.
Não havia caminho para o golpe não ser bem sucedido com o apoio inconteste do governo John Kennedy e seu successor Lyndon Johnson. O apoio logístico norte americano, contudo, não foi necessário. O golpe sucedeu sem a necessidade do apoio das máquinas de guerra estado unidenses.
Há poucas semanas o assassinato de um apoiador do partido dos trabalhadores baleado no dia de sua festa de aniversário por um bolsonarista, comandado por seu patrão jair bolsonaro causou imensa dor, mas também indignação, revolta e desejos de vingança que o atual ocupante do cargo de presidente tanto insuflou, desejou, armou e trabalhou para que acontecesse.
Há poucos meses das eleições, enfim os comandados de bolsonaro começam a fazer seu serviço. A previsão é de que muito mais virá, para que mortes se tornem justificativa para mobilizar militares apaniguados e policiais violentos a ocuparem as ruas e sustentar o tão ansiado golpe. Hoje nas ruas não há resistência. Instruídas pelos partidos as ruas foram esvaziadas há quase um ano esperando bolsonaro sangrar, mas quem sangra é o Brasil.
Podemos dizer que as tantas violências que se esparramaram pelo Brasil, com uma contundência e convicção nunca vistas, puderam ser detidas pelas instituições e pelos que se opõe ao atual governo? Cartas e manifestos domesticarão a verve golpista de jair? Avisos, sinais e ameaças o impedirão de conclamar os dispostos a matar e ameaçar pessoas? A resposta é mil vezes não.
Porque essa alucinação negativa persiste e insiste entre partidos, instituições e pessoas progressistas no Brasil?
Em psicanálise chamamos de alucinação negativa uma falha na percepção que opera como um recalque. Percebemos tudo, menos o elefante no meio da sala. A negação da coisa evidente, nos faz duplamente cegos e, por vezes, inconscientemente tentamos nos defender antecipadamente: “não, não haverá golpe”- assim nos tornamos duplamente vulneráveis. Por não constatar o óbvio e, como consequência dessas não constatação, banalizamos o excepcional (“ele é assim mesmo”). Efeitos de denegação colocam o psiquismo, sociedades e a democracia em risco.
O homem que quer jogar o Brasil na vala comum não foi detido em nenhum aspecto e em nenhum momento. Começou e continuou insuflando ódio, desinformação e violência diariamente ao longo dos últimos 3 anos e meio. Seus seguidores, por sua vez, se armaram para praticar ilegalidades em todas as áreas e em todos os lugares. Seu golpe já está sucedendo com o desmonte total de todas as políticas importantes de direitos humanos no país, aumento de mortes no campo, assassinatos de indígenas e crimes milicianos autorizados em toda parte e o acúmulo de centenas de milhares de mortes evitáveis durante a pandemia.
O Brasil de bolsonaro é o Brasil do estupro, dos assassinatos impunes, da perda vexaminosa de direitos dos mais vulneráveis, da defesa de medicações estéreis para doenças gravíssimas e da escalada de criminosos e milícias ao poder. Temos certeza de que não haverá país algum se, de algum modo, ele se mantiver no poder. Mas de que adiantam certezas ante a negação dessas certezas?
-Não há clima para golpe
-Os militares não vão aderir
-As instituições reagirão, etc
Nada disso aconteceu até agora e o STF permaneceu na corda bamba, ameaçado e desafiado. O atual ocupante do governo criou o clima de golpe e o atualiza todos os dias sem ser impedido de nenhum modo.
Ninguém sabe como reagirão os militares ou parte deles, por isso o medo grassou antes do último 07 de setembro ano passado diante das ameaças de jair, sem que nenhum estudioso ou especialista em forças armadas pudesse prever coisa alguma. As instituições funcionam? Quais? Se congresso e PGR são, há quase 4 anos, flagrantemente bolsonaristas? Quais dessas certezas estamos negando duplamente? E porque?
O medo inibe o pensamento. É um sentimento conservador que instrui fantasias que se tornam calabouços onde as experiências não são interrogadas.
Por vezes, parece que estamos torcendo pelo melhor apoiados em fantasias denegatórias de que teremos eleições tranquilas e uma sucessão institucionalmente livre e justa, num país em que o presidente repetiu infinitas vezes que não vai aceitar o resultado e prepara, com todas as forças que lhe restam, o golpe com a anuência de boa parte do congresso nacional e a cumplicidade do Procurador Geral da República Augusto Aras.
A maior ambição hoje dos realmente preocupados com a ameaça de bolsonaro teria de ser uma operação Simon Bolivar na América latina, e ninguém mais capacitado para construir essa operação do que o ex-presidente Lula, que goza de respeito e admiração na maioria dos países latino americanos.
O resultado das eleições ainda é incerto, mas o golpe já se arma na câmara dos deputados com a aprovação irresponsável, articulada e apoiada pelo centrão de medidas abusivas que despeja recursos que impactam no bolso de brasileiras e brasileiros pobres e vulneráveis e tem potencial para alterar significativamente as últimas as pesquisas eleitorais.
Uma operação Simon Bolivar nas américas, articulada entre presidentes de esquerda dos países latino americanos, seria o mais contundente aviso para que o incitador de crimes e atual presidente do Brasil, seja intimidado de suas promessas e pretensões golpistas e não ouse provocar a morte de brasileiras e brasileiros, a bem de seu desejo de se manter no poder, custe o que custar. Sempre bom lembrar: a horda de violentos é sempre composta de covardes.
A tentativa de golpe que já está ocorrendo e sendo divulgada mundialmente terá de ser armada e apoiada pelas polícias e as forças armadas, que contam juntas com contingentes de centenas de milhares de soldados e policiais esparramados por todos os estados da federação. Alguns certamente aderirão.
Só a ameaça de uma oposição e reação armada poderá lhe fazer frente. Não há qualquer possibilidade de resistência interna a um novo golpe militar/policial/empresarial no Brasil se houver. Porém hoje há a possibilidade de um posicionamento de todos os presidentes de esquerda da américa latina contra um golpe institucional no Brasil, em legítima defesa e em nome da preservação da democracia nas américas. Esse seria o aviso mais eloquente.
Os presidentes do Chile, Argentina, Colômbia, Bolívia, México, etc podem liderar esse posicionamento latino americano em nome, inclusive, da preservação da democracia em seus próprios países que, direta ou indiretamente, a continuidade eventual do atual governo ameaçará.
Não bastarão as coligações internas, e nem mesmo um massivo FORA BOSONARO, que foi esvaziado das ruas pelos partidos de esquerda que apostaram na hemorragia de bolsonaro. Nada disso será o suficiente. É preciso força institucional internacional e um posicionamento irrevogável pela democracia, que estará em risco em todo o continente, se bolsonaro encontrar meios de se preservar no poder.
O governo dos EUA hoje se posiciona por eleições livres e justas e em nome da democracia, tendo feito o contrário em 1964. Esperemos, ao menos neutralidade nesse caso. Porém, nenhuma ação será eficaz contra esse governo, quando e se for derrotado, se não resguardar uma potência de força e ação imediata contra o golpe armado que bolsonaro prepara desde o primeiro dia de seu mandato.
Não há tempo para ingenuidades, nem denegação ou fuga de nosso passado traumático. O prestígio internacional de Lula tem de servir agora de esteio por uma aliança vigorosa, contra os riscos de calcinamento da democracia do maior país da américa latina, hoje em chamas.
É preciso afirmar as lições da história. Gandhi jamais pararia um Hitler e nenhum STF segurará, como fez até agora, os anseios de destruição de alguém que atua exclusivamente em nome da preservação dos próprios privilégios e de uma única família. No Brasil o que temos é um arremedo de Hitler.
Os partidos que são os principais responsáveis pelo esvaziamento das ruas após a tentativa de golpe fracassado no último 07 de setembro, devem corrigir o erro agora pelo FORA BOLSONARO nas ruas e são eles que devem buscar o apoio internacional inconteste em nome de sua própria existência futura que, sem isso, será reduzida no futuro a uma espúria disputa Arena X MDB, sem MDB.
Mas também podemos sentar sobre o ‘não há clima para golpe no Brasil’. Mas falta avisar o ocupante do cargo a presidente, seus apoiadores diretos, civis e militares que ocupam com altos salários milhares de cargos no governo, e os milhões que pretendem mantê-lo no cargo.
Imagem: obra de Fulvia Molina – Memória do esquecimento: humanos, demasiado humanos.