“Vivir es soñar días sabiendo que es de noche”.
Trecho do poema Noche Adentro, de Micaela Paredes Barraza.
Às vezes desmorono. Hoje foi um desses dias. Eu já vinha segurando as pontas desde a chacina do dia anterior. Mas aí veio a câmara de gás em plena luz do dia. Sucumbi. Fui atingida no peito. Asfixiei junto com Genivaldo. Morri de todas as mortes matadas nesses últimos anos. 80 tiros. Lembro Evaldo Rosa dos Santos.
E
Anderson de Souza Lopes e
Carlos Alexandre de Oliveira Rua e
Carlos Henrique Pacehco da Silva e
Denis Fernandes Rodrigues e
Diego Leal de Souza e
Douglas Costa Incaio Donato e
Edmilson Felix Herculano e
Emerson Stelman da Silva e
Eraldo de Novaes Ribeiro e
Everton Nunes Pires e
Gabrielle Ferreira da Cunha e
Izaias Vitor Marques Nobrega e
João Carlos Arruda Ferreira e
João Victor Moraes da Rocha e
Leonardo dos Santos Mendonça e
Mauri Edson Vulcão Costa e
Maycon Douglas Alves Ferreira da Silva e
Nathan Werneck Borges Lopes e
Patrick de Andrade da Silva e
Ricardo José Cruz Zacarias Junior e
Roque de Castro Pinto Junior e
Tiugo dos Santos Bruno e
Corpo não identificado. Mais um brasileiro sem nome no país do: “sabe com quem está falando?”.
A câmara de gás era improvisada no porta malas do carro oficial. Mas a barbárie brasileira nunca foi uma gambiarra. Ela foi e é calculada politicamente. Todos os santos dias.
Primeiro mergulho. Deságuo enchentes. Transbordo mar revolto.
Depois recomponho. Nunca igual. Já sou outra imagem no quebra cabeça. Volta e meia uma peça fica fora do lugar. Não me importo. Vou assim mesmo. A vida sempre me chama de volta e isso também é privilégio. Diante de tanta miséria psíquica dos milionários do país, acho até um charme esse meu desencaixe.
Vem a notícia no rádio do uber. O jornalista fala em spray de pimenta. O desencaixe fala em mim em voz alta: “Mentira! Foi gás lacrimogêneo! Eu vi o vídeo!”
Ter olhos de ver e boca de falar é um perigo nestes dias. Até para uma mulher branca no bairro nobre. Acontece que meu desencaixe é voluntarioso, mas não nasceu ontem. Ele sempre capta as coisas antes de mim.
A resposta vem com sotaque espanhol. Estou sendo conduzida por um médico cubano. Ele tem um amor e um título de eleitor.
A mudança se faz com amor paciente e ódio organizado.
Referência:
https://operamundi.uol.com.br/20-minutos/71469/meu-trabalho-e-organizar-o-odio-diz-paulo-galo
Carolina Mousquer Lima