Kramatorsk, “para nossas crianças” – Por Edson Luiz André de Sousa

Kramatorsk, “para nossas crianças” – Por Edson Luiz André de Sousa
Kramatorsk, Ucrania, nesta sexta feira, 8 de abril, uma sala de espera de uma estação de trem, o desespero para sairem do inferno da guerra, o inferno chega com um missil devorando tudo. No missil está escrito em russo “para nossas crianças”. Não sabemos quem escreveu mas esta escrito “para nossas crianças”, 50 mortos, 5 crianças mortas, centenas de feridos. Na fotografia, os corpos já foram retirados, as bagagens são os corpos, os poucos pertences que carregavam, alguma esperança que explodiu com esta boca devoradora dos dragões da guerra. Um blusão velho, um caderno de anotação, algumas fotografias, os poucos documentos, cartas recebidas, carrinhos de bebê, um pouco de dinheiro, um livro de poemas talvez.. tudo isto ficou ali sem dono… A humanidade explosiva, o impensável voltando a acontecer. Estavam esperando um trem sem entenderem de onde viria o Fim. Sem nem mesmo terem o direito ao refúgio. Uma cena de fim, de uma dor indizivel. O que terá a dizer quem esteve lá? Quem dirá algo a estes poderosos que arquitetam estas destruições? A morte impiedosa em uma estação de trem, 5 crianças mortas, e no míssil estava escrito ” para nossas crianças”.
Kramatorsk, não sei onde fica no mapa, mas registro este nome com indignação e tristeza.
Depois de ler esta noticia e rascunhar estas palavras paro o que estou fazendo e vou reler alguns poemas de Serhy Zhadan, poeta ucraniano. Encontro este poema, um anti-missil que busca fazer registro de memória diante desta destruição. 

“Eles enterraram seu filho no inverno passado”

Eles enterraram seu filho no inverno passado.
Um tempo estranho para o inverno — chuva, trovão.
Eles o enterraram silenciosamente — todos estavam ocupados.
Por quem ele lutou? Eu perguntei. Não sabemos, eles dizem.
Ele lutou por alguém, dizem eles, mas quem — quem sabe?
Vai mudar alguma coisa, dizem eles, qual é o ponto agora?
Eu mesmo o teria perguntado, mas agora — já não há necessidade.
E ele não responderia — ele foi enterrado sem a cabeça.

É o terceiro ano de guerra; estão consertando as pontes.
Sei tantas coisas sobre você, mas quem ouviria?
Eu sei, por exemplo, a música que você costumava cantar.
Conheço sua irmã. Sempre tive uma queda por ela.
Eu sei do que você estava com medo, e até mesmo, o porquê.
Quem você encontrou naquele inverno, o que você disse a ele.
O céu brilha, cheio de cinzas, todas as noites agora.
Você sempre jogou para uma escola vizinha.
Mas por quem você lutou?

Por vir aqui todo ano, para a grama seca.
Por cavar a terra todos os anos — pesado, sem vida.
Por ver a calma após a tragédia todos os anos.
Por insistir que você não atirou em nós, no seu povo.
Os pássaros desaparecem atrás de ondas de chuva.
Por pedir perdão por seus pecados.
Mas o que eu sei sobre seus pecados?
Por implorar para que a chuva finalmente pare.
É mais fácil para os pássaros, que não sabem nada de salvação, sobre alma.