Hoje queria ficar em silêncio, não escrever nada aqui, não ler nada em lugar nenhum! São tantas violências todos os dias, a vida escapando por entre os dedos, mas há um ruído de fundo que não para: o aplauso de muitos a esta política de morte no Brasil , e pior ainda, o silêncio cúmplice dos que colaboraram com seu voto ou abstenção para que tivéssemos este cenário macabro de um país moralmente em ruínas. E que ainda continuam em silêncio…. Como escreveu Brecht “ Que tempos são estes em que temos que defender o óbvio? “. Tantas vidas sendo sacrificadas, tantas vidas que serão sacrificadas!!! Tempos de estupidez e miséria psíquica!
Mas recebo para ler a parte final do longo poema de Alberto Pucheu, Poema para a catástrofe do nosso tempo. Escuto, e a cada palavra escrita/dita é como uma espinha na garganta. Lembrei imediatamente de um poema de Primo Levi, CANTOS DOS MORTOS EM VÃO, escrito em 1985, dois anos antes de ele morrer. Ele nunca pode esquecer Auschwitz, (como testemunhas não podemos esquecer nenhuma violência), ele nunca pode esquecer outras violências sofridas por outros em tantos lugares do mundo.
Graças a Primo Levi hoje sabemos um pouco mais o que foi um campo de concentração (mas nunca o suficiente). Se ele ainda estivesse vivo, e se este poema continuasse, incluiria talvez um verso sobre o Brasil, os massacres que aconteceram por aqui, e talvez um verso sobre a escuridão deste tempo em que a vida tem tão pouco valor para os que chegaram ao poder disseminando ódio de forma sempre explícita.
Compartilho abaixo o poema de Primo Levi com a tradução de Maurício Santana Dias.
E o link da última parte do Poema para a catástrofe do nosso tempo de Alberto Pucheu.
https://www.youtube.com/watch…
(Na fotografia uma imagem de Primo Levi)
CANTO DOS MORTOS EM VÃO
Sentem-se e negociem
À vontade, velhas raposas prateadas.
Vamos emparedá-las num palácio esplêndido
Com comida, vinho, boas camas e fogo
Contanto que negociem e acordem
As vidas de nossos filhos e as suas.
Que toda a sabedoria da criação
Concorra para abençoar suas mentes
E as conduza pelo labirinto.
Mas fora, no frio, as esperaremos nós,
O exército dos mortos em vão,
Nós do Marne e de Montecassino,
De Treblinka, de Dresden e Hiroshima:
E estarão conosco
Os leprosos e os tracomatosos,
Os desaparecidos de Buenos Aires,
Os mortos de Camboja e os que vão morrer na Etiópia,
Os derrotados de Praga,
Os exangues de Calcutá,
Os inocentes massacrados em Bolonha.
Ai de vocês se saírem em desacordo:
Serão esmagados em nosso abraço.
Somos invencíveis porque vencidos.
Invulneráveis porque já extintos:
Nós rimos de seus mísseis.
Sentem-se e negociem
Até que suas línguas sequem:
Se persistirem o dano e a vergonha,
Nós as afogaremos em nossa podridão.
14 de janeiro de 1985