INCÊNDIOS E IMOLAÇÃO
‘esta é a primeira catástrofe
morremos
agudos
sem
dizer
nada
,
nem saudade
Manoel Ricardo de Lima (Geografia Aérea)
O BRASIL ENTROU PARA A HISTÓRIA DA HUMANIDADE como um dos quatro países no mundo cujo presidente compõe o grupo dos negacionistas da letalidade do coronavirus. Sabemos bem que estes posicionamentos vão produzir muitas contaminações e mortes. Já estamos todos CANSADOS de escrever, de ler, de ouvir, de falar sobre isto, mas como a cena se repete, não consigo silenciar. No dia 11 de abril 2020, o capitão reformado esteve em Águas Lindas em Goiás provocando outra grande aglomeração. Na cena, ouvimos um coro de morte ao fundo gritando “mito”. Diante deste cenário triste e macabro procuro pensar o que faz com que estes fanáticos sacrifiquem e se submetam desta forma. Volto então a minha leitura de Etienne La Boétie e seu Discurso da Servidão Voluntária, escrito em 1548. La Boétie tinha 18 anos quando escreveu este texto, tão elogiado por seu amigo Montaigne. Leiam o que ele escreve sobre o fascínio da servidão:
“Esses miseráveis veem reluzir os tesouros do tirano e olham todos espantados os raios de sua bravata; e, seduzidos por tal claridade aproximam-se e não veem que entram na chama que não pode deixar de consumi-los. Assim o sátiro indiscreto, como dizem as fábulas antigas, que ao ver acender-se o fogo encontrado por Prometeu, achou-o tão belo que foi beijá-lo e se queimou. Assim a borboleta, que, esperando gozar de algum prazer, entra no fogo porque ele reluz, e verifica a outra virtude, a que queima, diz o poeta Toscano. Mas admitamos ainda que esses favoritos escapem das mãos daquele a quem servem; nunca se salvam do rei que vem depois…”
Enfim, o rei que vem depois pode ser a morte, ou o julgamento da história, ou o julgamento da própria consciência. Todos eles cobrarão o seu preço.
Compõe ainda este quadrado negacionista e mortífero o tirano da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, há 26 anos no poder e que vem defendendo um tratamento a base de vodca e idas à sauna contra a covid-19. O ditador do Turcomenistão, Gurbanguly Berdimuhamedow, no poder há 13 anos, que proibiu, pasmem vocês, mencionar o próprio termo, coronavirus. E ainda a insanidade e negligência de Daniel Ortega na Nicarágua, completamente ausente na condução de uma política de proteção para seu povo.
Lamentável e criminosa estas posições e que serão narradas, por muito tempo, assim espero, pela história. O Brasil chegou no dia 11 de abril a 1.124 mortes e mais de 20 mil infectados pelos dados oficiais. Imagino que a matemática seja muito maior que esta. O diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanom declarou ontem que se os países que afouxarem as medidas de isolamento terão um aumento de morte por coranavirus. No mundo já se chegou a 1,5 milhão de infectados e mais de 100 mil mortes pelo Covid-19. Nestes tristes trópicos, hoje à tarde, leio sobre uma carreata em São Paulo pró Bolsonaro e discursos contra a China e a imprensa. Na sexta, 10 de abril, Bolsonaro esteve em uma farmácia em Brasília, espirrando no braço e cumprimentando as pessoas, uma idosa em particular (cenas amplamente divulgadas). Nesta mesma manhã esteve em um hospital em Brasilia, ao ser indagado o que ia fazer lá respondeu que ia fazer um teste de gravidez! Onde está a indignação com esta posição irresponsável e inaceitável de um presidente de nação como o Brasil?? Lembro-me das loucuras de Kim Jong-un na Coreia do Norte e agora vemos esta ferida aberta em nosso país. Ele se achando acima de todos.
O jornal The Economist publicou em 11 de abril uma matéria mostrando o absurdo que vivemos no Brasil e com uma charge tão eloquente do capitão enfiando a cabeça em um vírus estampado na bandeira do Brasil . Vejam no link abaixo a imagem e o texto.
https://www.economist.com/the-americas/2020/04/11/jair-bolsonaro-isolates-himself-in-the-wrong-way
Neste sábado, a Human Rights Watch, que defende e pesquisa sobre direitos humanos no mundo, divulgou relatório que diz que o presidente está colocando os brasileiros em “age de forma irresponsável, disseminando informações equivocadas sobre a pandemia”.
Enfim, muitos se queimarão neste fogo do fascínio diante de atitudes insanas e irresponsáveis destes senhores da morte, preenchendo suas planilhas mortíferas que estamos vendo e que veremos. Mas este incêndio também é responsabilidade nossa. Continuarei a ler o Discurso da Servidão Voluntária de La Boétie para pensar este tempo de catástrofe, como bem descreve em seus poemas Alberto Pucheu. Quem sabe, algumas destas palavras poderão salvar algumas destas borboletas e poupa-las da imolação eminente.
(A imagem é uma gravura de 1876 narrando o ataque e o incêndio da Biblioteca de Alexandria. Uma das mais importantes bibliotecas da história da humanidade e onde funcionou a primeira escola de medicina do mundo.)