Aplausos? Por Edson Luis André de Sousa

80 tiros no carro do músico Evaldo Rosa e do catador Luciano Macedo: aplausos?? O piloto abre as comportas do avião e solta uma bomba: aplausos?? Uma barragem rompe devido à negligência da empresa, matando centenas de pessoas: aplausos?? Um presidente que desrespeita a nação colocando em riscos simpatizantes em tempos de quarentena na pandemia do coronavírus: aplausos?? Um torturador sendo celebrado como herói nacional: aplausos??

O que faz com que muitos tolerem e sejam coniventes com violências inaceitáveis como esta?

Antoni Muntadas, artista catalão nascido em Barcelona, em 1942, tem se dedicado a pensar as lógicas do poder. Ele criou, em 1998, um vídeo/instalação intitulado APLAUSO. Neste trabalho, vemos uma projeção central com cenas de violências e, em duas telas laterais, auditórios aplaudindo efusivamente.

Também neste trabalho, ele mostra o papel de alguns setores da sociedade civil na sustentação destes lugares de horror. A imagem é chocante, mas necessária, pois, mais do que nunca, temos que nos perguntar como alguns podem tolerar o intolerável.

Em situações como esta, quem aplaude também puxa o gatilho.
É hora de voltarmos a ler o clássico texto de Etienne de la Boétie “Discurso da Servidão Voluntária”, escrito em 1548. La Boétie, admirado por Montaigne, tinha apenas 18 anos quando escreveu este ensaio, um dos textos mais importantes da história do pensamento libertário. Ele se perguntava sobre o que faz com que alguém possa, voluntariamente, desejar se submeter a um tirano? Que feitiço é este de uma servidão voluntária que leva, até mesmo, ao sacrifício de sua própria vida?

Leiam estes dois pequenos fragmentos do Discurso da Servidão Voluntária, tão atuais:

“Coisa extraordinária, por certo; e, porém tão comum que se deve mais lastimar-se do que espantar-se ao ver um milhão de homens servir miseravelmente, com o pescoço sob o jugo, não obrigados por uma força maior, mas de algum modo (ao que parece) encantados e enfeitiçados apenas pelo nome de um, de quem não devem temer o poderio pois ele é só, nem amar as qualidades pois é desumano e feroz para com eles….”

“Que vício, ou antes, que vício infeliz ver um número infinito de pessoas não OBEDECER mas SERVIR, não serem governadas mas tiranizadas, não tendo nem bens, nem parentes, mulheres nem crianças, nem sua própria vida que lhes pertença, aturando os roubos, os deboches, as crueldades, não de um exército, de um campo bárbaro contra o qual seria preciso despender seu sangue e sua vida futura, mas de um só, não de um Hércules nem de um Sansão, mas de um só homenzinho…..”

O trabalho de Muntadas e o ensaio de La Boétie são espécies de alarmes, tão necessários para nos fazer acordar deste pesadelo. É urgente tentarmos buscar entender a lógica de uma fascinação por esta sombra de morte, neste Brasil em chamas. Estaremos vigilantes, com as poucas armas que temos: nossas palavras, nossa imaginação, nosso desejo de liberdade, nossas utopias de um lugar melhor para viver.

Antoni Muntadas passou por Porto Alegre no dia 12 de março, para uma exposição na Fundação Vera Chaves e que acabou sendo cancelada em função da pandemia. Quantas novas imagens ele teria por aqui para adicionar em sua instalação???

Segue abaixo o link com um pequeno fragmento deste vídeo

APLAUSO

https://www.youtube.com/watch?v=-NiPWYpTwQo