Não é mais estarrecedor. O líder do desgoverno é previsível. Age desde o início de seu mandato como prometeu. Ele será sempre o criador de problemas para que os outros encontrem as soluções; o incendiário que dá trabalho aos bombeiros; o propagador de violência e morte para que outros padeçam.
Seu discurso incendiário de ontem em rede nacional e hoje cedo em frente ao palácio da Alvorada repetem o que o presidente do desgoverno faz desde que iniciou seu mandato. Proclama atrocidades para desmenti-las; vai na contramão provocando acidentes com o intuito de chamar a atenção sobre si; cria uma forma criminosa e verborrágica de governar que, ele sabe, insufla seus vassalos servis e hipnotizados.
Eles constituem um grupo que o desgovernado frequentemente atiça para que, obedientes aos seus comandos, o auxiliem a se manter no poder custe o que custar e à base de violência e truculência que disseminam em cada vez que ocupam as ruas e se manifestam pelas redes virtuais.
Nesse particular creio ser especialmente importante o debate em torno do filme Antifascistas (https://jornalggn.com.br/politica/documentario-os-antifascistas-2017/) que já recomendei em outro artigo no PPD. Esse documentário fala das estratégias de grupos antifascistas que atuaram na Suécia e na Grécia. Entre os 3 pontos estratégicos indicados nesse documentário para enfrentar, com eficácia, o crescimento de grupos autoritários e violentos de extrema direita nesses países, um deles sequer tem sido discutido amplamente no Brasil a não ser em grupos menores. Ele consiste em estratégias para retirar os grupos de extrema direita das ruas, porque é nas ruas que eles praticam a violência e através dela disseminam seus discursos e bravatas.
Com suas manifestações violentas, truculentas e sem argumento pretendem colocar em primeiro plano a violência que prometem utilizar. Assim, contagiam boa parte da população com o medo, exercendo por essa via o controle e inibem os mais hesitantes a ocuparem as ruas de forma pacífica, receosos de serem eles as próximas vítimas dessas violências, caso decidam se manifestar publica e fisicamente espaço público.
Na manifestação ocorrida no último dia 15 de março, convocada pelo desgovernado no auge da pandemia, vimos uma pessoa alvejada por um tiro e outro cidadão espancado no meio da multidão de bolsopnotizados na avenida Paulista.
Essas cenas correram o país e elas veiculam uma mensagem: não venha para as ruas porque será violentado. Diversos grupos antifascistas em diversos países tem pensado muito seriamente nisso e inventado estratégias diversas para que as ruas sejam ocupadas, predominantemente, por grupos pacíficos e defensores da igualdade e da democracia, e não por grupos que pretendem solapá-las.
Fato é que ficar em casa torcendo para que as manifestações da extrema-direita tenham baixa adesão não se converteu num dispositivo nem eficaz e nem inteligente no Brasil, já que esses grupos continuam indo para as ruas de forma cada vez mais violenta e contundente, mesmo que em menor número.
Salta aos olhos mais uma estratégia conhecida dos grupos proto, neo ou tropico-fascistas: uma cena violenta se dissemina mais do que mil palavras.
Estratégia parecida foi iniciada já no período do golpe de 2016 com as manifestações dominicais e com os bonecos infláveis. Por vezes observávamos meia dúzia de fanáticos armando e inflando os bonecos, mas o efeito foi imenso. Esses bonecos eram fotografados e reproduzidos nas mídias de todo o país, mesmo que abaixo deles estivessem apenas alguns descontentes.
Uma nova estratégia está sendo colocada em curso agora. Alguns empresários bolsonaristas saem nas redes sociais cometendo absurdos para salvaguardar a própria pele em meio à pandemia. As mídias dão atenção especialíssima ao conjunto de baboseiras que eles proferem e, assim, eles alcançam milhões de pessoas e, de quebra, seus minutos de fama. O empresariado que defende o contrário, nessas horas simplesmente desaparece e os bolsonaristas assumem a voz do patrão. Exceção feita à Carlos Guerra, que aparece no dia seguinte, após forte reação nas redes sociais, passando um sabão público no filho Alexandre Guerra, comunicando a sua demissão e o desligamento do filho da empresa Giraffa’s pelas ameaças feitas aos funcionários e alusão ao boicote à quarentena no dia anterior.
Contudo a ideia sorrateira que está por trás disso é óbvia e ululante, tanto quanto é convincente. Trata-se de ameaçar a população mais pobre com a perda do emprego, caso não voltem a sair de casa para alimentar a cadeia de consumo por um lado e, por outro, para obedecer aos seus empregadores e patrões receosos de quebrarem ou verem seu lucros diminuídos. A responsabilidade pelo colapso econômico tem de quebrar nas costas do trabalhador, como sempre.
‘15 mil mortes para 7 bilhões de habitantes é um número muito pequeno.’ afirma Roberto Justus. Será que ele diria o mesmo se essas mortes alcançassem os seus? Difícil saber. Se seus lucros e seu padrão de vida estivessem seriamente ameaçados, ele sacrificaria um parente, um amigo para manter-se na zona dos privilegiados e com isso aumentando essa estimativa para 15001, 15002? De todo modo é muito provável que entre esses quinze mil mortos não estão contabilizados os que lhes são próximos ou queridos. É óbvio também que essa matemática higiênica de porcentagem, afirmada de um modo tranquilo e sem assombros pelo apresentador, conta com outra estimativa, aquela que evidencia que em qualquer catástrofe social e política, os mais atingidos são sempre os pobres e socialmente vulneráveis. E boa parte do empresariado brasileiro, embora dependa deles tanto como consumidores quanto como empregados está, na verdade, pouquíssimo interessado nos riscos que correm.
No Brasil de hoje contudo eles também enfrentam um impasse. Para que os seus lucros estejam acima de tudo é preciso que os bolsonaros estejam acima de todos. Daí, em comunhão com esse grupo, é que o desgovernado assume um lugar importante. Ele é aquele capaz de falar e fazer absurdos e, por isso, todos os que desejam levar a cabo esses absurdos precisam mantê-lo no cargo, de preferência um pouco mais nas rédeas curtas, para que ele, assumindo a linha de frente, execute o que esse grupo deseja para si em detrimento do país. É sempre bom lembrar o já sabido: o desgovernado poderá sair sozinho do poder mas não chegou sozinho até ele. É só verificar os componentes do Instituto 200, composto por empresários adeptos de bolsonaro, para não deixar margem a dúvidas.
Na esteira de um desgoverno que sempre defendeu matar, torturar e exilar pessoas antes mesmo de ser eleito, esses empresários não fazem nada mais, nada menos do que apoiar tais práticas em meio ao caos. Eles cantam em coro com o desgoverno a fim de se eximir de qualquer responsabilidade quanto à derrocada econômica no futuro e, ao mesmo tempo, responsabilizam o cidadão trabalhador colocando em suas mãos o dilema entre se isolar ou buscar uma renda para que possam sobreviver em meio à crise. Empresários e desgoverno atuam juntos para colocar tudo no colo do cidadão, bradando orgulhosos: ‘protejam seus empregos senão serão demitidos.’ É o patrão falando e ameaçando os subalternos.
Obviamente sem nenhum apoio empresarial, governamental ou política de estado para a crise é isso o que as pessoas farão. Voltarão ao trabalho, voltarão às ruas, não aceitarão o isolamento se isso implicar em fome. O que faz o desgoverno aprofundando esse receio? Impõe a medida provisória (927) que previa o desemprego por quatro meses para os assalariados.
Depois do incêndio consumado, chama os bombeiros e volta atrás. Tal medida serviu muito mais como insufladora do caos instalado e revelava, no formato de uma medida provisória, o que o desgovernado disse em seu pronunciamento em rede (seria melhor cadeia) nacional. Não haverá salário, portanto voltem ao trabalho, voltem às ruas e morra quem morrer. É a vida, no país da morte.
Consolida-se assim o completo desgoverno que se utiliza da posição de mando, ao qual foi alçado, para colocar no colo de cada cidadão a responsabilidade pela preservação do bem comum, eximindo o estado e o governo dessa responsabilidade que lhe é inerente.
Em seu show da manhã de hoje (25/03), em frente ao palácio da alvorada, o desgovernado afirma que cada um cuide de seu idoso. Que o estado não tem como fazer isso e que cada família seja responsável pelos seus. É um completo lavar as mãos diante do risco iminente a todas e todos e um acirramento do preconceito e abandono aos quais já são largados os idosos no país. A desumanização passa por isso. Caracterizar determinadas categorias da população como dispensáveis, desimportantes e sem direito à vida. ‘Cada um cuide do seu’, ‘idosos e pessoas com comorbidade não é um problema do Estado’, nem de ninguém’, ‘a morte chega para todo mundo’. Afirmações que consolidam não o estado mínimo, mas governantes minúsculos.
Com isso ele convoca a todos os empresários que veem seu lucro sendo reduzido, a todo empregador que não quer arcar com os custos da crise e a todo trabalhador inseguro com tais ameaças. Além disso, deixa em prontidão seu exército de violentos que, ele aposta, apoiarão incondicionalmente qualquer irresponsabilidade que saia de sua boca, como já o fizeram inúmeras vezes.
Esse desgoverno aposta como sempre apostou na morte, no caos, na desilusão de um país envergonhado e melancólico. A imagem do atual desgovernado jamais se erguerá diante da comunidade internacional. Ele já é uma figura isolada e defenestrada em muitos países e lugares, mas continua tolerado graças ao cargo que ocupa. Ele é o exemplo crasso da imbecilidade, da incompetência e da propagação de práticas de preservação da morte e do sofrimento. Está isolado frente ao mundo, mas ainda é preciso desmoralizá-lo e ao seu grupo de contentes no Brasil.
Quando essa calamidade pandêmica passar, ainda teremos de lidar com nossa calamidade brasileira que, ao contrário do coronavírus, não depende do isolamento, mas da capacidade que teremos de agirmos juntos e com vigor, juntamente com as pessoas, grupos e instituições democráticas do país que reconhecem o sentido da urgência m combater o vírus da imbecilidade e da idiotia. Podemos e devemos começar a pensar e fazer isso já, ao som das panelas que ecoam no país inteiro.