Para o filho de Bolsonaro, Carlos, denunciar quem é a favor da tortura é motivo de vergonha, coisa que faria um pai “chorar no banheiro”. O caso é grave.
O artista Ronaldo Creative se juntou ao grande movimento #elenão, fazendo seu protesto em foto artística, retratando uma pessoa torturada, tal qual fazia o Coronel Carlos Brilhante Ustra, “o terror de Dilma”, ídolo da família Bolsonaro.
Na votação do impeachment da presidenta Dilma, Jair Messias Bolsonaro dedicou seu voto ao Coronel, que morreu sem ter pago por seus crimes, embora tenha sido reconhecido como torturador pela justiça brasileira oficialmente em ação declaratória de culpabilidade (a lei de Anistia impede que se vá além disso). Também foi reconhecido como torturador, com base em farta documentação, fornecida pelas forças armadas inclusive, pela Comissão Nacional da Verdade. Dilma foi barbaramente espancada e estuprada, por meses, sob sua custódia. Ela tinha 19 anos.
O crime de tortura é tipificado pela ONU e reconhecido na lei brasileira (L.F 9455/97) como crime de Lesa-Humanidade, ou seja: quando uma pessoa é torturada, estamos ferindo o âmago do que nos une a todos. É um ataque à condição humana. Sob tortura é a humanidade que está sofrendo violência, um crime; estamos todos nós no pau de arara, todos tomando choque, todos sufocados com sacos plásticos, todos estuprados, todos afogados, todos eletrocutados.
Contumazes criminosos da apologia e incitação a todo tipo de violência, a família Bolsonaro foi inúmeras vezes preservada por um alargamento da compreensão do conceito de imunidade parlamentar que se operou nos últimos anos pela Justiça. Bolsonaro é cria de muitos, e a Justiça tem sua parte no caso, não apenas na decisão recente de considerar que não houve racismo nas declarações contra quilombolas dadas pelo candidato na Hebraica do Rio de Janeiro em 2017. Nesta toada, agora autorizado pelo STF, o clã Bolsonaro não tem pudor em se posicionar a favor de toda sorte de abuso e perversão, nutrindo verdadeira devoção pela tortura.
Em especial, este novo caso de incitação e apologia ao crime, em que Carlos Bolsonaro ataca todos os que são “contra os pró-tortura” – uma matemática mental muito simples – deve ser objeto de ação dentro do sistema democrático de Direito, este mesmo que o político pretende recusar.
A Lei Federal 9455/97 especifica e criminaliza a omissão diante de casos de tortura, seja ela realizada por cidadãos comuns seja por agentes de Estado, crime passível de pena de detenção de um a quatro anos (Art. 2, parágrafo primeiro). Um agente de Estado, por lei, e por justiça, tem o dever conspícuo de evitar que o crime de tortura aconteça.
Quando a família Bolsonaro propõe a tortura como pratica a ser “defendida”, com torturadores oficialmente reconhecidos a serem “homenageados” e isto for levado à justiça, caberá a esta se retirar do lugar de co-autora, pelos crimes reais que decorrerão destas incitações. Crimes contra a humanidade e contra o Estado de Direito brasileiro.
A Democracia não suporta entendimentos que, pela liberdade de expressão do parlamentar do que fere o direito de todos, permitam à justiça fugir da responsabilidade universal. Nenhum direito perverso se sobrepõe à defesa da vida. O fascismo busca entrar em nossas vidas pela via da lei. Que se casse a autorização tácita que se deu para que o fascismo se instale no país.
Contamos com a Democracia para responder aos que querem destruir a Democracia.
Aldo Zaiden é psicanalista e foi Coordenador Geral de Saúde Mental e Combate à Tortura da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. É membro do coletivo Precisamos Falar sobre o Fascismo.
Imagem: Memorial da Resistência, São Paulo. Arquivo pessoal.