Ainda Assim Eu Me Levanto – (“Still I Rise”)
Você pode me inscrever na História
Com as mentiras amargas que contar,
Você pode me arrastar no pó
Mas ainda assim, como o pó, eu vou me levantar.
Minha elegância o perturba?
Por que você afunda no pesar?
Porque eu ando como se eu tivesse poços de petróleo
Jorrando em minha sala de estar.
Assim como lua e o sol,
Com a certeza das ondas do mar
Como se ergue a esperança
Ainda assim, vou me levantar
Você queria me ver abatida?
Cabeça baixa, olhar caído?
Ombros curvados com lágrimas
Com a alma a gritar enfraquecida?
Minha altivez o ofende?
Não leve isso tão a mal,
Porque eu rio como se eu tivesse
Minas de ouro no meu quintal.
Você pode me fuzilar com suas palavras,
E me cortar com o seu olhar
Você pode me matar com o seu ódio,
Mas assim, como o ar, eu vou me levantar
A minha sensualidade o aborrece?
E você, surpreso, se admira,
Ao me ver dançar como se tivesse,
Diamantes na altura da virilha?
Das chochas dessa História escandalosa
Eu me levanto
Acima de um passado que está enraizado na dor
Eu me levanto
Eu sou um oceano negro, vasto e irriquieto,
Indo e vindo contra as marés, eu me levanto.
Deixando para trás noites de terror e medo
Eu me levanto
Em uma madrugada que é maravilhosamente clara
Eu me levanto
Trazendo os dons que meus ancestrais deram,
Eu sou o sonho e as esperanças dos escravos.
Eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto!
Há poucos meses conheci Maya Angelou e foi amor à primeira vista. Há um documentário na Netfix sobre a vida dela que vale a pena ver. E foi vendo esse filme que fiquei fascinado com o seu exemplo de vida. O seu poema mais famoso é Ainda assim eu me levanto (Still I Rise), que começa assim: “Você pode me inscrever na História/ com as mentiras amargas que contar,/Você pode me arrastar no pó, mas ainda assim, como o pó, eu vou me levantar”.
Maya Angelou (1928-2014) foi uma poeta americana, jornalista, cozinheira, condutora de bondes, cantora, bailarina, diretora de cinema entre outras atividades. Ativista dos Direitos Humanos na defesa dos negros, das mulheres, viveu também na África, conviveu com Martin Luther King, conheceu Nelson Mandela. Foi escolhida pelo Presidente americano Bill Clinton para ler um poema seu na posse dele. Talvez hoje esteja escrevo em homenagem as mulheres negras como ela e Marielle Franco, assassinada há um mês e nada ainda sobre os suspeitos do crime. Também porque lembro o impacto&nbs p; do que disse a cantora Elza Soares: “A carne mais barata no Brasil é a carne da mulher negra”. O Brasil foi o último país a terminar com a escravidão negra no mundo ocidental. Os escravos não tinham direito a nada, a não ser servir os brancos da Casa Grande. Os negros e os sofredores do mundo lutam para se levantar.
“Ainda assim eu me levanto” é um canto ético para todos. Negros, brancos, pobres ou não, enfim todos que vivem ou viveram quedas e perdas. Não conheci até hoje, quem não tenha caído e sentido o chão se abrir e afundar ou quase. Admirável quem após uma derrota, uma perda afetiva, consegue reunir forças para se levantar. Já vivi e convivo com traumas dolorosos dentro e fora do consultório. Lembro, por exemplo, de um casal que tinha vários filhos jovens, e um deles, com pouco mais de vinte anos, estava muito doente. Ele tinha câncer e ao longo dos meses foi piorando e terminou morrendo. Nunca os esqueci, pois as consultas eram quase sempre com choros e muitas vezes tive vontade de abraça-los e chorar junto. Os anos passaram e um dia nos vimos num supermercado. Fiquei, por segundos, parado pois não sabia se desejariam conversar. E terminou sendo um encontro inesquecível; emocionante foi escutar como se levantaram, lentamente, diante da tragédia que viveram. Escrevo para agradecer.
A história social e a individual se encontram, convivem, são histórias que se cruzam no tempo e no espaço. Gosto de recordar que vivemos tempos contrastantes. Há os tempos de chuva e de sol, tempos de alegria e tristeza, tempos de plantar e colher, tempos democráticos e autoritários. Muitos afirmam que os ventos seguirão trazendo tempos de ódio e violência. Diante as tempestades, é importante não se isolar, nem se desesperar. Há forças criativas e construtivas germinando.
É possível viver melhor quando se mantém a virtude do espanto. Do espanto nasce o conhecimento, já ensinaram os filósofos da Grécia. As crianças vivem espantadas, tudo é novidade para elas. Reaprender as possibilidades de surpreender-se com frases, sentimentos, músicas, são graças diante as desgraças. Como foram os momentos de espanto com o diálogo no supermercado ou uma poesia como “Ainda assim eu me levanto”.
Abrão Slavutzky é psicanalista.
Referências
ANGELOU, Maya. Ainda assim me levanto.
DUARTE, Mel; BARBOSA, Drik; NASCIMENTO, Indira. Ainda assim me levanto. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=SRCJzCN10ws