Somos desamparados, o desamparo nos acompanha do nascimento à morte. O desamparo está na origem das angústias, tanto a angústia automática quanto a angústia sinal. Há os destinos criativos e os destinos destrutivos do desamparo. Destinos criativos são, por exemplo, as artes, a fraternidade, o trabalho, a vida familiar. Já as drogas são destinos destrutivos, aliviam o desamparo ao mesmo tempo que afundam os drogados. Na política, um destino destrutivo é o anseio de pessoas que ainda se entusiasmam com os regimes autoritários. Buscam um protetor poderoso que promete certezas que aliviam o desamparo das incertezas. A vitória de Donald Trump é um exemplo, porque ele prometeu conduzir os Estados Unidos a uma segurança imaginária. Estamos diante dos inimigos internos da democracia, título do livro de Tzvetan Todorov.
A história que descrevo não é completamente nova. O século 20 foi pródigo em diferentes ditaduras que prometeram segurança e amparo. As multidões acorreram e após anos ou décadas estavam decepcionadas. Logo, à medida que cresce o desamparo, aumentam os riscos da frágil liberdade. Até prova em contrário, a humanidade está vivendo um retrocesso.
Já aqui no Brasil, a democracia com justiça social, uma democracia democrática, também está em declínio. A grande ameaça recente seria a corrupção e hoje esse problema, que não foi resolvido, parece relegado. O problema maior hoje é que a democracia aqui e no mundo está ferida. A extrema-direita após anos quieta, está na liderança e já não se sabe o que poderá ocorrer. A humanidade parece desnorteada, sem rumo, dominada pela incerteza. O pânico do desamparo é propício a saídas salvadoras geradas pela servidão voluntária.
O desamparo também ocorre na vida cotidiana, no dia a dia. Medo de assaltos, medo dos estranhos, e histórias sem fim de violências. Marcar um jantar à noite, hoje, já é toda uma novela de precauções. Outro dia, fui caminhar pela Avenida Protásio Alves e escutei a pergunta se não era perigoso andar na rua muito cedo. Indispensável é seguir caminhando ou vamos nos paralisar. Paralisia de pernas, paralisia de pensamento, paralisia de vida. Precisamos caminhar buscando a alegria de viver. Caminhar hoje sob a corajosa liderança das mulheres norte-americanas que lembram as madres argentinas de Plaza de Mayo.
* Publicado originalmente em Zero Hora