“2017”

“2017”

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Em 2011 foi publicada uma coletânea de poemas traduzidos para o português da lavra de poetas de primeira grandeza de língua alemã, russa, inglesa, francesa. O título da coletânea: Poesia da Recusa; o tradutor: Augusto de Campos. Psicanalistas pela Democracia retoma aqui a tradução desse importantíssimo tradutor, poeta e escritor vanguardista brasileiro e relembra a polêmica recente, envolvendo Augusto de Campos quando seu poema VIVA A VAIA foi utilizado pela Folha de São Paulo para aludir ao movimento pró-impeachment, numa situação bastante específica e grotesca.

Na ocasião, Augusto indignado desautorizou o jornal a fazer tal uso flagrando o jornal em explícita campanha política, o que colocava em cheque a qualidade da reportagem e feria a ética jornalística. Reproduzimos abaixo a carta de Augusto enviada na ocasião à Folha que não a publicou, embora não tivesse tido qualquer pudor em publicar um de seus poemas sem pedir autorização ao autor da missiva. Belo episódio do poeta contra a máquina que queremos aqui relembrar.

Segue a carta de Augusto de Campos:


Prezados Senhores.

Esse jornal utilizou, em 14 de junho de 2014, com grande destaque, o poema VIVA VAIA, de minha autoria, como ilustração de matéria ambígua sobre os insultos recebidos pela presidente Dilma, na partida inicial da seleção.

Utilizou-o, sem minha autorização e sem pagar direitos autorais: sem me dar a mínima satisfação.

Poupo-me de comentar a insólita atitude da FOLHA , a quem eu poderia processar, se quisesse, pelo uso indevido de texto de minha autoria.

A matéria publicada, composta de três artigos e do meu poema, cercado de legendas sensacionalistas, deixa dúvidas sobre a validade dos xingamentos da torcida, ainda que majoritariamente os condene, e por tabela me envolve nessa forjada querela. 

A brutalidade da conduta de alguns torcedores, que configura até crime de injúria, mereceria pronta e incisiva condenação e não dubitativa cobertura, abonada por um poema meu publicado fora de contexto. 

Os xingamentos, procedentes da área vip, onde se situa gente abastada e conservadora, evidenciam apenas o boçalidade e a truculência que é o reverso da medalha do nosso futebol, assim como a inferioridade civilizatória do brasileiro em relação aos outros povos.

Escreveu, certa vez, Fernando Pessoa: “a estupidez achou sempre o que quis”. Como se viu, até os candidatos de oposição tiveram a desfaçatez de se rejubilarem com os palavrões espúrios. Pois eu lhes digo. VIVA DILMA. VAIA AOS VIPS.”

Augusto de Campos

Assim, para abrir 2017, brindamos os nossos leitores com um poema ímpar, acessível a nós graças ao trabalho de pensadores como Augusto de Campos. Trata-se do poema da poetisa russa Marina Tzvietáieva intitulado “Tomaram..”. Poema escrito num contexto europeu que testemunhava o fim trágico da guerra civil espanhola e a vitória do fascismo franquista e a ascensão vertiginosa do nazismo que, em 1939, após a anexação da Áustria, invadia a Tchecoslováquia.

Tomaram…

Tomaram logo e com espaço:

Tomaram fontes e montanhas,

Tomaram o carvão e o aço.

Nosso cristal, nossas entranhas.
Tomaram trevos e campinas,

Tomaram o norte e o oeste,

Tomaram mel, tomaram minas,

Tomaram o sul e o leste.
Tomaram Vary e Tatry.

Tomaram o perto e o distante,

Tomaram mais que o horizonte:

A luta pela terra pátria.
Tomaram balas e espingardas,

Tomaram cal e gente viva.

Porém enquanto houver saliva

Todo o país está em armas.


Marina Tzvietáieva do ciclo Versos à Tchecoslováquia

Tradução: Augusto de Campos (2011)

 

Muita saliva para nossos colaboradores e leitores. Sem saliva, aliás, o que seriam das cusparadas?

Psicanalistas pela Democracia (organizadores)